Marcas que o Tempo não Apaga II - Violência contra a Mulher

Era uma noite fria quando ela sentiu um arrepio estranho atravessar-lhe a espinha. Sentiu uma sensação horrível e preocupou-se... Nunca havia sentido algo igual... Uma angustia sufocante a tomou e sentiu necessidade de exteriorizar aquilo tudo... Mas estava só e não tinha com quem falar... Escreveu em um pedaço de papel tudo o que sentia... Pensou que depois de dormir não veria mais a luz do alvorecer... Deitou-se e não conseguia pegar no sono que custou a vir... Quando despertou, se deu conta de que tinha acordado e agradeceu por isso. Mas acordou sentindo-se perdida... A sensação ruim ainda lhe afligia...

Foi à noite quando ele apareceu completamente absorvido pelo vício... Não importava qual fosse sua postura naquele momento, ela sabia o que viria depois... Não era a primeira vez, e na última havia lhe jurado que ele jamais repetiria a mesma cena. Ele não sabe e talvez não se lembre: hoje ela perde o dente devido a um soco direcionado a sua boca. Ela sentiu o sangue escorrendo garganta abaixo e jurou que nunca mais ele faria aquilo.

A sensação ruim não passava, ao contrário: aumentava cada vez mais. Temia pelos seus filhos e não queria que presenciassem aquilo novamente. Ela aproveitou-se da presença de um amigo e pediu que o levasse para casa da sogra. Ele fingiu não saber o porque desse pedido, e pediu desculpas pelo comportamento dela. Quando se encontravam sozinhos ele fez o que ela esperava que fizesse. Não importava como ela agiria naquela noite, ele faria aquilo. Uma garrafa de rum se manifestaria em seus atos naquela noite.

Ela estava preparada! Ela não queria provar que tomaria uma atitude... Ele não estava em condições de compreender que ela nunca esqueceu as outras vezes. Ela sabia que cada vez que ele se deixasse dominar, reagiria pior. Mas estava pronta! Deixou seu celular num lugar acessível...Respirou fundo... E olhando seus filhos transtornados, o enfrentou!Ele gritava palavras ofensivas, tentava humilhá-la desferindo palavrões e frases que pudessem diminuí-la. Ele dizia que ela não era mulher, por não servi-lo mais na cama, mas como ela poderia sujeitar-se estando ele há tanto tempo comportando-se de modo tão desrespeitoso? Ela não se deixou abater e não se comoveu. Ele foi passando dos limites e não ia parar... Ela já viu isso antes... Ele a empurrava com violência, segurava pelo braço com força deixando marcas que surgiam instantaneamente e desferiu-lhe um soco.... Ela precisava provar o que disse da última vez. Pegou o telefone e ligou para a polícia... Atenderam e ele lhe tomou o aparelho e o jogou ao chão! Ela podia ver claramente: ele ia espancá-la! Não, ela não iria permitir! Se estivesse sozinha deixaria para que depois ele visse o tamanho de sua inconseqüência. Mas não iria permitir que seus filhos assistissem a isso e ele perdesse o pouco de decência e respeito deles que pudesse ter.

Ele a perseguia pela casa trançando as pernas enquanto ela tentava alcançar o celular estrategicamente posicionado. Passou e estendeu a mão que o alcançou sem parar de andar rapidamente. Fugiu pela porta ao mesmo tempo em que discava novamente para a polícia. Seus filhos a alcançaram e eles ficaram a sua volta como se a protegendo, formando uma barreira. Ganharam o portão onde aguardavam a viatura. Ele os trancou do lado de fora, gritando que só iriam entrar junto com os policiais. Estava frio... Seus filhos com os olhos inchados de chorar e ela ali... Sentada no chão, sem conseguir acreditar que estava vivendo uma situação que só conhecia pelos noticiários da tv... Ela não sentia nada... Não conseguia pensar em nada... Parecia em choque, ouvindo apenas os ecos que soavam em brados dentro de sua mente, repetindo tudo o que ele havia lhe dito... Ela sabia que ele estava alcoolizado... E sabia também que aquela valentia toda não era dele, mas de cada gole ingerido... Sabia que cada palavra que ele proferiu era tudo o que estava engasgado dentro dele e somente com o álcool ele poderia confessar.

Suas lembranças daquela noite foram interrompidas pela passagem de uma mulher cuja face encontrava-se ensangüentada e deformada... Olhou em volta e não havia lugar para sentar-se... Encontrou um canto vazio e encostou-se na parede... Nunca havia estado em um lugar como aquele e nem sabia que existia. Não imaginava quantas mulheres passavam, não situação semelhante, mas muito pior!

Ficou questionando-se o que cada uma daquelas mulheres faria depois de sair dali... Como seriam suas vidas após aquela noite... O que ela mesma faria... Concluiu que tudo aquilo não havia acabado... Estava apenas começando...A angustia retornava lembrando-a que estava viva, quando foi interrompida por uma voz baixa que mais parecia um sussurro:

- A senhora veio ‘acompanha’ alguém?- disse entre os dentes uma senhora simples que mal podia mover os lábios inchados.

>> continua>>>

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. 91% dos brasileiros consideram muito grave o fato de mulheres serem agredidas por companheiros e maridos. As mulheres são mais enfáticas (94%), mas, ainda assim, 88% dos homens concordam com a alta gravidade do problema.

Shimada Coelho A Alma Nua
Enviado por Shimada Coelho A Alma Nua em 27/11/2008
Reeditado em 27/11/2008
Código do texto: T1305565
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