Raimundo do Bento e a Ópera do Sertão
As serras azuis colorem o cenário.
Contrastando com o céu tudo é infinito e o verde das matas se impõe.
Na primavera os Ipês esbanjam o charme e o sertão sorri. A Juriti elegantemente canta e contempla os Buritis que com seus mananciais saciam a sede dos animais.
Na estrada a poeira sobe...
E como uma cortina a penumbra deixa um clima de cena erótica.
Os Tamanduás, Tatus e Guarás, brincam no cerrado como se nada tivesse acontecendo. Um Colibri solitário, sai de flor em flor provando o néctar, é um cavalheiro de um apurado paladar!
As abelhas com o seu doce carisma levam a sua parte. Claro!
De repente uma sinfonia!
Será Bach, Ravel, Carlos Gomes?Será Aida de Verdi?Não nada disso!É tão somente um carro de boi, e o ranger das rodas que se transformam num concerto. É perfeito!
O maestro Raimundo do Bento com o ferrão, ou melhor, a batuta, conduz a orquestra e esboça um canto:
"Êh carro de boi
Êh boi!
Nóis vamo pela estrada, êh boi
Nóis tá perto de chegá
Meu sertão inluminado
Minha portêra ,meu currá."
Aquele aboio invadia o sertão e o som das rodas era como um violino afinado!Uma verdadeira sinfonia!E o nosso regente conduzia a ópera.
A ida pensando na vinda, pelo verde esperança dos campos,embalado pelos sonhos de ver tão logo o seu corpo cansado no regaço da amada.
E é hora de alimentar a criação. A água do manancial corria numa mansidão e ali é o ponto de parada dos criação, era um santuário para o Raimundo.A imponência dos Buritis, em meio à água cristalina.
A batuta encostada na canga, também descansava para seguir o mesmo ritual.
E ele segue o seu destino.
No povoado de Contria, um alvoroço.É dia de Congado!Dia de N.S.do Rosário, protetora dos Negros!A Mamãe!
Hoje tem Tambor de Crioula,tem Tambor de Congo,o Capitão já ordenou:
-Hoje é mais um dia de fé!Vamo reverenciá à Mamãe!
O vaqueiro vai à Capela, e faz a sua oração, faz os seus pedidos, é forte a sua devoção.
Raimundo, beija a Bandeira de Nossa senhora, se benze,coloca o chapéu na cabeça e lá vai matuto ao seu destino,pois a carga vale ouro,é a colheita do ano, é a alimentação, e ele tinha que vender para manter a lavoura, e a família e de repente:
"Êh boi
É hora da partida Êh,êh,êh,...
Não quero dispidida êh boi!
Cada um com sua lida
Ê boi..."
E novamente segue invadindo o sertão, como Jesus invadiu a minha vida, para vivenciar essa apoteose.
A alegria tomava conta dos amigos. A junta de bois!
O que se notava era a intimidade do maestro com os músicos, e pela estrada afora o cortejo.
Eu fiquei no povoado.
A cada toque dos tambores os arrepios alvoroçavam em minha pele, e o meu sangue fervia.
Foram três dias de festa, três dias com a minha Irmandade.
Mas...
Contaram-me que o Raimundo do Bento voltou feliz!Por aqui não passou!Mas o destino quis assim, pois...ele é festeiro lá no povoado do Beltrão!É um homem respeitado!
A orquestra agora descansa, é hora de se preparar para a Festa da Lavoura.
São José é o Padroeiro!O Santo fazedor de chuva.
É atirar os joelhos por sobre a terra e pedir a bênção. Benção para a terra,para a família e que a chuva ao cair,molhe bem aquele torrão.
Terra que cobre a semente, semente que dá o fruto, fruto que mata a fome, dada por Deus ao homem.
E amanhece o dia!Lindo dia!Os personagens ao sol que irradia e novamente saem a engolir a estrada.É o maestro e a sua velha batuta ou ferrão como queiram, a engolir o estradão.
É mais um dia de luta.
Lágrimas nos olhos de quem ficam.
A amada e os filhos.
E em cena a mesma peça.
A ópera do Sertão!
É a busca, levando consigo a esperança que por entre serras e matas, esse matuto, ao pisar nesse chão bruto, deixou também sua raiz e o orgulho de ser um catrumano!
A natureza se agiganta e no firmamento, o poder da constelação.
O homem, o carro e os bois, protagonizam a cena, e tudo pára em nome da Ópera do Sertão!
Vai Raimundo do Bento!O sertão é seu e nos encontraremos em outras paragens, para quem sabe um dedo de prosa!
-Você deixaria eu reger a tua orquestra?
Não!Não seria a mesma coisa!
Você é único Raimundo do Bento!
Inté!