Linha 5652/10

Era apenas mais um dia, onde já havia procurado por emprego, passado na casa de alguns colegas, enfim, voltava pra casa, já era noite, o ônibus como sempre, lotado. Bem, por o carro está lotado que fiquei em frente o cobrador, depois de passar pela catraca, era integração não podia perder, sabe como é. Pois, então, o cobrador já tinha um rosto familiar, não era a primeira vez que "pegava" aquele ônibus. Pois, o sujeito ia de papo com uma senhora e um senhor durante a viagem, é, viagem, sabe como é o trânsito. O sujeito dizia que era do Ceará, não parecia-me, quando cheguei já ia a conversa, ele falava com tamanha enlouqüência que tinha agora mais um expectador para a sua narrativa, ele disse que em sua terra "eles" pegavam essas pessoas e cortavam a cabeça com um facão, ou, as deixavam sofrer até o último suspiro, iam lhes arrancando dedo por dedo, e a cada gemer do sofredor era uma outra parte cortada. Até o momento não sabia do que se tratava tal brutalidade, será que era para mostrar que o nordestino não tinha medo de nada, é, tiramos conclusões errôneas quando rotulamos, tal castigo se tratava também de arrancar o pênis dos homens antes de matá-los, logo compreendi do que se tratava, e confirmou-me a compreensão a senhora que o assistia desde o começo, ela fez um comentário esclarecedor, disse:

"- É, eles pegam até veinha e minina."

Também vi que a senhora era mais nordestina que o cobrador, apesar dela sempre dizer, "na terra sinhô.'

Bem, a conversa foi tomando outros rumos, a senhora se mostrava interessada no homem que estava ao seu lado, o cobrador parava a conversa no meio, muitas vezes, e cumprimentava os passageiros novos.

Em um certo momento da conversa, onde se dirigia à vida remota do cobrador, percebi que chegava a hora do clímax, uma garota que estava perto de mim logo se afastou, pois, sempre me esbarrava nela para dar passagem a quem ia chegando. Persisti, até ouvir aquele caso por completo. Bem, a história trata-se de:

"Era um cobrador, uma senhora, um senhor e um garoto. A senhora pergunta ao cobrador com certa familiaridade.

- E o carro do sinhô, que roubaram, né?

- É. Entraram seis homens em meu quintal, todos muito bem armados, só AR-15 e 12. O carro que eu levei tanto tempo para comprar e equipar, o meu fusquinha tava todo equipado...

- O seu carro era um fusca?!

- Pois é. Seis homens para roubar um fusca.

O senhor que permanecia calado até então, disse:

- É, eles roubam tudo mesmo.

- Eh, fazer o quê?! E continuou o cobrador: "- É, eu moro na Vila Élida, é um dos lugares mais perigoso de São Paulo. Mas, um dia um homem veio até a minha pessoa que se encontrava sentada em frente ao portão de casa, aí ele me perguntou...

A senhora o interrompeu e falou:

- Eu quero mudar da "Paulistinha", para lá onde minha prima mora, mas tô com medo.

O cobrador gentilmente responde, mesmo tendo à sua história cortada.

- Fique tranquila, lá agora tá bom, não é mais como antes, tá sobre o comando de uma facção boa...

Logo o sujeito retorna à sua estória, afinal, quer relatar a tal façanha.

- Como eu disse, ele me perguntou: - É você o pai do Mariano, né? - Respondi, sim. - Ele continuou. - Roubaram o seu carro, né? - Eu disse, é.Nesse altura pensei que ele ia me matar, aí ele me disse:

- Hoje vou fazer uma festa.

Pensei comigo mesmo, vai matar a minha família toda, mas ele continuou.

- É. esses caras que roubaram o seu carro, matou o meu irmão na semana passada. Mataram o garoto, quem era para morrer era eu...

O cobrador, pára a narrativa dos diálogos, e pergunta para a senhora passageira:

- Adivinha quantos anos o garoto tinha?

Ela diz:

- Não sei, uns vinte?

- Pois, é. O menino veio do nordeste pra fazer a vida aqui, tinha duas semanas que tava aqui, ele tinha só 16 anos. Bem, o cara falava com as gírias deles lá, dos nóias, aí ele continuou...

- Meu irmão tinha duas semanas que tava aqui, foi lá na rua de cima.

- Aí eu perguntei pra ele. Quanto você cobra pra fazer esse serviço aí?

- Pra você eu não vou cobrar nada, porque você é gente boa, sossegado.

- Eu não muito dinheiro, mas, toma aí cinquenta conto.

`´E, dei cinquenta conto, pra ele comprar maconha e cheirar. O cara era firmeza, sabe àqueles homem de palavra, ele era assim. Era véspera de Natal. O cara entãoconfirmou o serviço.

- Pode ficar tranquilo mano, hoje meia-noite, sem falta. Chega aí, dá olhada.

O rapaz abriu o fundo do carro, e me mostrou o arsenal, era coisa da pesada, você não sabia o que tinha alí dentro, se era AR-15, 12, metranca, bazuca, era muita coisa...

- Ó mano, fala pra sua mulher ficar em casa e trancar a porta, beleza?!

- Beleza! Cheguei lá dentro falei com ela pra não sair que o bicho ia pegar, e que trancasse a porta.

Dito e feito. Meia-noite, missa do galo, Natal, começou a festa, só se ouvia os pipôcos, e nêgo correndo e gritando. No dia seguinte, todos os seis mortos, tinha três em frente a minha casa.

A senhora, então, pergunta:

- Por que na frente da sua casa?

- É porque eles tava correndo, aí, onde os caras iam derrubando eles deixavam. você precisava ver o que eles mataram por último, ele conseguiu correr até a rua de cima, mas, lá os cara pegaram, ele levou cinquenta e oitos tiros, ão dava pra saber se ele era velho ou novo, tinha um buraco desse tamanho no rosto.

- Deus me livre disso. Disse a senhora.

- Foi o que eu disse com o cara; mais tem Deus pra dar que o Diabo pra tirar.

- É, isso é verdade! Disse a senhora perplexa, ainda, com o caso.

O senhor que parecia fugir da senhora, levantara-se, era chegado a hora de descer, ela insistia para que ele esperasse, e descesse no próximo, ele não aceitou. A senhora antes de descer ainda, despediu do cobrador umas seis ou oito vezes. O cobrador ainda teve tempo de terminar a história antes do ponto.

Portanto, ele diz aos seus três ouvintes:

- Eh, eu não tenho medo de nada, passo naquele bêco da Paulistinha de madrugada, não devo pra vagabundo nenhum, pra quê que eu vou ter medo?

A senhora com aquela cara de admiração ao cobrador fascinada com o caso, o senhorperplexo e se saindop da senhora que o assediava discretamente. O cobrador, após toda a narração, deppois de várias pausas, seja para cumprimentar passageiros, pra fazer comentários sobre uma mulher que desceu do ônibus, a qual ele achava bonita e ...estava, agora, com o seu ego atingido, era sublime. Do garoto arrancou, apenas, um sorriso, quando fez uma brincadeira com uma conhecida, só, e nada mais, além, da atenção... no ônibus, só havia, agora, o garoto e aquela garota, esta sentada no fundo do carro, com fone nos ouvidos, ia de olhos fechados. O menino, já sentado, olhava pelo vidro da janela, à rua, o céu, viajava, estava longe dalí... Era chegado o ponto final, o cobrador assinava o papel, anotava os números da catraca, arrumava as suas coisas, reclamava com o motorista do horário, dizia que ia chegar tarde em casa, o motorista, falava que amanhã seria diferente, será mais rápido, o cobrador zombava dele. O cobrador ainda tem tempo pra dizer algo, é, ele desejava um bom descanso a todos. Quando o garoto se dirigia à porta do ônibus para descer, ouve o sujeito dizer, pensando alto:

- É, eu respeito todo mundo, brinco com todos, nunca arrumei confusão.

- Tchau!

- Tchau! Disse o menino atordoado com aquele fato que ouviu.;

- Bom descanso.