Renasce uma mulher

Percebera que se aproximavam as comemorações do dia de Ano Novo e estava mais deprimida que de costume. Sentia desesperança, desilusão, tédio vontade de estar só, de viajar ou até entrar um buraco escuro e ali ficar bem quietinha.

Eleonora, mulher na flor de seus quarenta anos, realizada profissionalmente e aparentemente bem resolvida por seu comportamento descontraído, de convivência agradável tanto no meio familiar, quanto no profissional, discreta e de bom gosto no vestir-se e pentear-se conquistava pela elegância de sua simplicidade, mas que na verdade curtia uma depressão a muitos anos. Fingia para si mesma estar bem, mas a medida em que o tempo passava sentia crescer dentro de si o desejo de ser feliz novamente, libertar-se, viver com entusiasmo. Antidepressivos e terapia faziam parte de sua rotina para calar o choro que de quando em quando a infligia brotando do nada tornava-se constrangedor por não haver motivo aparente e nem conseguir controlá-lo.

Sabia, claro, que a solução não era medicamentar-se pelo resto da vida e sentia o desejo de eliminar da sua vida esses comprimidinhos do alto astral e das terapias já tão cansativas.

A terapeuta, o padre, as amigas, todos eram unânimes: é necessário sair mais de casa, procurar divertir-se, dançar, engajar-se numa pastoral, praticar esportes...mas onde é que estava o ânimo para tais coisas.Ah, é tão gostoso ficar deitada no sofá da sala com os pensamentos vagabundando, vagueando sem destino, sem parada, sem hora de partida ou da chegada... para que caçar o que fazer e ainda fora de casa? Não se imaginava fazendo caminhada, numa academia ou algo parecido.

É, tempo passa, vem natal, vai natal, vem ano novo, vai ano velho, aniversários cada vez mais próximos e nada muda. Muda sim para pior. Felicitações recebidas e enviadas, mas que não passam de meras palavras sem sentido, desejos sem se cumprir na esperança de Deus em sua infinita bondade abençoar, a sorte ajudar, ou o destino encaminhar, mais lá no fundo consciente que para tal é necessário que se tome atitudes, que tome as rédeas de seu destino, que o dome...

Era véspera de ano novo, rojões, fogos e gritos na rua saldavam o ano que vinha chegando, quando tomada por um ímpeto ela percebeu que este era o momento, o desejo de mudança para uma vida nova tomara conta de si agora e a grande decisão foi tomada. Já estava deitada e ele na sala assistindo TV. O chamou e percebeu então que ele se aproximava e ao seu lado na cama aninhou-se, beijou-a, trocaram carícias e amaram-se sem delongas. Quando na rua pôde-se ouvir todo o estrondo que saudava o novo ano ela levantou-se. Era meia-noite e ainda envolta nos lençóis deu uma última olhada ao homem que dividira com ela essa cama, esse quarto, seus dias e suas noites por longos anos...e decidida saiu do quarto.

Ano Novo, vida nova. Nasce ali uma nova mulher.