Da Vida Escondida

Uma das melhores lembranças que tenho da infância é de brincar com bichinhos de pelúcia com meu irmão. Durante a tarde, quando a casa estava silenciosa - a soneca de depois do almoço dos meus pais parecia durar para sempre -, eu e Dudu recolhíamos os brinquedos e nos trancávamos no meu quarto. As bonecas, os comandos em ação e os bichinhos de pelúcia ganhavam vida quando a gente fechada a porta. Imitávamos vozes fininhas para interpretá-los, um por um.

O nosso bicho preferido era o Ratinho. Era gordo, com uma roupinha vermelha xadrez. Por muitos anos, brincamos com aquele rato encardido, para o qual guardávamos a voz esganiçada. Um dia, o Ratinho cansou de brincar com a gente e foi embora com suas trouxas.

Eu adorava quando meu irmão imitava voz grossa para uma bonecona feia que eu tinha. Era descabelada, tinha olhos malvados e pés grandes. Não sei em quê momento da infância eu quis comprar aquela boneca. Talvez ela fosse bonita quando comprei, e perdeu a bonequice na passagem da infância. Era horrenda, era sempre a vilã das nossas historinhas. Bem, os vilões são importantíssimos em qualquer lugar do mundo e em qualquer fase da vida.

E eu tinha uma barbie linda. Quando a gente brincava de sala de aula, ela era a professora boazinha e querida. Eu guardava uma voz sensual e generosa para ela. Quando eu fazia essa voz, automaticamente Dudu fazia surgir um bom aluno, que era um comandos em ação com pára-quedas. Ao longo da história, professora e aluno se descobriam mãe e filho.

Gostávamos muito de incrementar as brincadeiras com Lego. Montávamos mesas, cadeiras, escadas. As ousadias da minha cabeça infantil se manifestavam em móveis delicados que jamais existiriam.

Enquanto a gente brincava de porta fechada, nossa irmã mais velha, Di, curtia o começo de sua pré-adolescência com minha prima. Eu não queria os hormônios, não queria as espinhas e jamais quis aceitar a vaidade. Eu gostava de calças largas, camisetas coloridas e bola de basquete.

Inventamos teatros, roteiros e novelas dramáticas quando a porta do meu quarto se fechava. Era a cortina fechada para o espetáculo da nossa infância. A criatividade infantil escondida, uma linda festa para ninguém. Nossa felicidade era não ter público. Jamais houve espectadores. Nós éramos os próprios espectadores da nossa meninice eterna que acabou em algum momento perto dos onze anos. As brincadeiras com bichos de pelúcia acabaram sem se despedir, sem dar um alento para a adolescência, sem avisar que depois das montanhas existe a maturidade. Os brinquedos foram enterrados em um baú grande e triste.