Adolescência em claro

Durmo bem. Ou melhor: tenho dormido bem. Mas na adolescência, eu chegava a me debater por horas e horas durante a noite tentando cair no sono. No dia seguinte, acordava com olheiras, lamentando a insônia. Mas não era insônia! Era adolescência. Atravessava a noite acordadíssima. Navegava no silêncio da casa. As noites eram um rio tranquilo, e minha falta de sono era uma escuna pequena e devagar que me levava para passear. Assim, visitei universos sonoros que marcaram minha juventude. Percebia sons que durante a claridade do dia não existiam, como um passarinho noturno que fazia um canto cheio de choro na árvore em frente da janela do meu quarto. Cheguei a ouvir também os gatos da vizinha, que quebravam o silêncio com gritos apavorantes. Caça? Cópula? Não sei. O gato é um bicho calmo e bonito durante o dia. De noite, vira um monstro cego.

Ouvi incontáveis vezes meu pai roncar. Era o trator que arrancava os trigos claros da minha paciência. Quando era pequena, os roncos dele me davam arrepios. Mais tarde, minha vontade era de arrancar a porta de seu quarto e enfiar um travesseiro em sua grande boca roncante. Noutros momentos de silêncio, ria ao descobrir os passos mansos da minha mãe. No meio da noite, ela atacava pacotes de chocolate sem ninguém perceber - e jamais deixou vestígios do crime. Nunca encontrei um pacotinho de porcaria vazio; mamãe cuidava bem dos corpos. Na ponta dos pés, procurava chocolates perdidos pelas gavetas e engordou quilos e quilos por trás dos nossos sonhos.

Vez ou outra cheguei a ouvir meu irmão ligando a TV no quarto vizinho: era outro ser insone. Algumas vezes bati em sua porta: me acolheu, juntamos nossas adolescências e, enquanto conversávamos sobre assuntos que não se falam ao meio-dia, observávamos juntos o dia nascer na esquina do mundo.

Mas a grande beleza das noites em claro era a minha irmã dormindo. Seu rosto tinha a tranquilidade das pinturas a óleo. Vigiando seu sono, eu já sabia como tinha sido seu dia. Com a boca semi-aberta, fazia a melodia do sono. Criava as partituras do silêncio. Aí eu adivinhava que seu dia tinha sido tranquilo. Outras vezes, ela falava dormindo. De olhos fechados e sorriso aberto, contava histórias que não existiam. Eu ouvia, quietinha, à missa que ela desabafava no escuro. O mais engraçado de tudo era que, de manhã, eu lhe alertava: “Você falou de noite! Disse que estava ansiosa por causa da prova de matemática. Falou também que iria pedir ajuda à Julia”. Então ela respondia: “Que prova? Que Julia? Você está sonhando”. E eu me questionava: será que eu sonhei? Não, não poderia ser.

Um dia, curei-me da adolescência. Mas aí foi a vez dos outros me contarem que eu falo de noite. Nada coerente. Um namorado contou certa vez que falei:

- Cuide da cadeira amarela.

Loucura ou premonição? Não interessa: durmo bem.