O SORVETE

Haviam conversado na véspera, pelo telefone, como de costume. Falaram do seu cotidiano, do que estavam pensando em fazer, das dificuldades do dia-a-dia, de assuntos familiares, enfim, uma conversa entre duas pessoas que têm muito em comum.

Nesse dia ele revelou a ela, sem dar a isso muita importância, uma vontade de tomar sorvete. Era verão e a temperatura bastante elevada. Mas ele não tinha o hábito de tomar sorvete e, se o fazia, era esporadicamente.

Ela disse-lhe que conhecia um lugar em que era servido um sorvete muito bom. Quando revelou o local, ele ponderou que era muito distante, que poderiam tomar o sorvete em algum outro lugar mais próximo. Ele conhecia alguns.

Finda a conversa, combinaram de se encontrar no dia seguinte. Talvez tivessem a oportunidade de ir a alguma sorveteria. Nesse mesmo dia ela tinha agendada uma consulta médica, o que implicaria em ser o encontro deles um tanto breve.

No horário e local combinados, ele a esperou por alguns minutos. Durante a espera, ligou para ela, que disse já estar a caminho. Não tardou a chegar.

Quando ela chegou, parou o carro e ele entrou. Ela estava, como sempre, linda e charmosa. Ela dirigiu-se a um estacionamento, onde deixou o veículo.

Sairam e foram em direção ao carro dele, que estava próximo. Quando se acomodaram e, após alguns afagos, ela o surpreendeu com uma caixinha de plástico, uma pequena colher e um guardanapo. Ofereceu-lhe a surpresa. Ele pode sentir a caixinha gelada. Ao abri-la, viu que continha um sorvete de flocos que ela havia comprado, naquele lugar distante citado no telefonema do dia anterior.

Incrível. Depois de uma longa e exaustiva jornada, ela foi àquela sorveteria tão longe só para comprar o sorvete para ele. Feito isso, foi para casa preparar o que ela dizia saber fazer muito bem: uma calda de cobertura.

Ele quase não acreditou, mas a verdade era evidente. Ali estava ela oferecendo-lhe o sorvete, ao qual acrescentou um pouco dos seus dotes culinários. Ainda bem que ele, nesse dia, lembrou-se de comprar para ela alguns chocolates (ela gostava muito) e um belo arranjo de flores, que ele percebeu ter causado a ela uma surpresa agradável.

Ele tomou o sorvete, não sem antes oferecer que ela o provasse. Estava delicioso, de flocos, com a calda dando o seu toque. Muito mais do que pelo sabor, mas pelo que representava a atitude dela. Atitude que demonstrava cabalmente o seu carinho por ele, o seu cuidado, o seu zelo e, quem sabe, o seu amor.

Sim, o amor é um sentimento estranho. Quem ama sabe que ama. Quem é amado nunca tem muita certeza. Talvez isso faça do amor o que ele é: um sentimento incontido, misterioso e maravilhoso, desejável e delicado, responsável pela felicidade e pelos sonhos de duas pessoas.

Mas o que realmente importou para ele foi aquela demonstração de carinho. Faz muito tempo e ele não se lembra quanto, não recebia tamanha manifestação de afeto, consideração e dedicação como havia acontecido naquele dia. Disso ele não vai esquecer-se.

Augusto Canabrava
Enviado por Augusto Canabrava em 13/02/2009
Reeditado em 14/02/2009
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