Coisas que devem ser ditas antes de morrer

A minha direita ele vêm com seu olhar esnobe e sua cara de idiota. Ele cruza todo o espaço para falar se vou continuar o desrespeitando.

Não sei bem o que é respeito, mas ficar quieto não é desrespeito.

Não é que a pessoa seja desinteressante; eu esqueço.

Mas esquecer é pecado, esquecer é pedir para ser odiado.

Não é que eu não te dei parabéns no seu aniversário. Eu esqueci.

Eu esqueci de muita coisa; e esquecer é a mesma coisa que ofender

Eu esqueci de falar “Bom dia”, sou uma má pessoa?

Talvez a pessoa do seu trabalho também esqueça, porém, não quer dizer que ela te odeie.

Eu fico sempre lembrando aquela frase de uma música: “No matter how I try, my heart tell me I can't forget you.”

Dessas coisas eu não esqueço.

Eu não esqueci de muita coisa que passou pelo meu caminho, mas desculpa, esqueci o “Bom dia”.

Tudo parece tão normal.

Quanta alegria nas pessoas. Elas sorrindo, com milhares de amigos, mostrando o mar, as férias em Florianópolis, meninas sorrindo, rapazes bem resolvidos...

Quando não se sofre não se tem muita criatividade. E nada que se cria não possui emoção, a criação só é criação quando tem emoção.

A razão não é muito criativa. Ela fecha as portas, encobre o céu, veste blusas e casacos, óculos de sol e não anda.

Mas a emoção se joga do 10° andar...

Roberto tinha 24 anos e se jogou de sua janela depois de realizar sua festa com amigos. Era uma festa de despedida, mas ninguém sacou.

Lá pelas 6 da manhã ele se jogou e deixou uma carta escrito: “Tem cerveja na geladeira.”.

Roberto, eu não bebo.

Não sei para quem ele deixou aquele bilhete, mas ela foi parar sobre minha mesa.

Eu não sei muito bem o que as pessoas acham de mim, mas eu não sou investigador de motivos para suicídios. Mas a administração do meu trabalho deixa o bilhete na minha mesa. Eles não chegam até mim e dizem: “Olha, esse bilhete foi de um rapaz que se jogou do 10° andar, é melhor dar uma olhada antes de falar com a família.”.

Eles deixam o bilhete antes de eu chegar ao trabalho. E ficam olhando qual será minha expressão quando ver a carta com o bilhete:”Favor verificar”.

O apartamento dele tem persianas bejes, um sofá de couro sintético, geladeira antiga marrom e uma mesa de vidro com suportes de ferro contorcido.

Não gostei das cores do apartamento.

O bilhete foi deixado em cima da mesa antes de parar na minha mesa.

Um estagiário pergunta se devemos esperar a polícia científica chegar.

Pergunto o porquê. Ele responde para saber como ele se matou.

Olha, normalmente os familiares não querem saber muitos detalhes de como tudo ocorreu. Depois que um jovem se matou tentando se masturbar num método indiano, eu não preciso de muitos detalhes.

O bilhete me deixou curioso para saber se a cerveja estava na geladeira.

Normalmente o suicidas tentam ser dramáticos, e chegam a escrever cartas como mártir. Mas esse foi engraçado.

Estava lá para conferir se ele foi engraçado ou irônico.

O que é ter uma vida engraçada?

A mentira talvez seja a maior forma de proteção contra a solidão.

Só há relações sociais quando há mentira. Mas não em seu sentido torpe, e sim num significado que calcula o quanto a verdade faria a pessoa sofrer.

Há coisas em minha vida que preferia que não me contassem.

“Não é que eu quero a verdade, eu preciso dela”.

A verdade às vezes machuca, então por que essa minha necessidade?

Eu suspeito que no fundo todos querem ter um motivo para justificar seus fracassos ou frustrações.

Se não há motivo não se compreende o que há de errado.

Não há nada de errado comigo, são somente as pessoa que me tornam errado.

Eu arranquei 1 dente e cortei minha mão. Quando você bate com força com sua mão fechada em alguém, nunca mire na boca, os dentes são como láminas às vezes. As brigas normalmente terminam quando a mão de um dos envolvidos já não agüentam de dor. É por isso que no boxe se usam luvas.

Mas por 1 dente valeu a pena.

As pessoas que não deveriam morrer, matam-se. As pessoas que deveriam morrer, não morrem.

É por isso que eu arranco dentes e o Roberto ri.

Ele mostra que a vida não vale a pena por meio de um bilhete que o tornaria lembrado, ao invés de citar poemas e escrever uma carta com muitos abraços e lembranças, algo parecido em se tornar um mito, ele preferiu avisar que a cerveja estava na geladeira.

Roberto, você tornou a morte tão sem graça.

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 16/02/2009
Reeditado em 18/02/2009
Código do texto: T1442725