A máquina de fazer pães

Desde que me conheço por gente, vovó sempre fez pão caseiro, quentinho, macio, cheiroso, que, quando saía do forno, já ia pra mesa e comíamo-lo com manteiga, que derretia na massa fumegante.

Ela começava a amassá-los logo após o almoço, depois os deixava descansar, cobertos por uma toalha, na despensa, para, por fim, enrolá-los em pequenos pãezinhos e num grande pão para o café-da-manhã do dia seguinte.

Assim, à tarde, na hora do lanche das cinco, os pãezinhos já estavam prontos e nos convidando com o cheiro que se esgueirava para fora da cozinha e nos alcançava na varanda ou até mesmo nos quartos.

Era quando corríamos para a cozinha e encontrávamos a mesa posta, o leite no bule, a barra da manteiga e os pãezinhos morenos nos aguardando.

Este era o ritual diário e esperado, o afazer vespertino de vovó, antecedido pela feitura do almoço e precedido pelo cuidado das galinhas e dos porcos, ou pela preparação de sabão ou doce-de-leite no fogão à lenha.

No entanto, titio viajou aos Estados Unidos e, ao retornar, trouxe um embrulho e o entregou a vovó:

— Trouxe de Miami para a senhora — ele disse.

Ela desempacotou o presente e retirou o mostrengo ovalado, branco, e cuja função ninguém conhecia.

— O que é isto? — vovó coçou a cabeça.

— Uma máquina de fazer pães, mãe. É a última palavra em novidade. Assim, a senhora não perde mais tempo. Basta pôr os ingredientes ali dentro, que a máquina amassa, deixa a massa crescer e assa. Assim, a senhora terá mais tempo para aproveitar a tarde.

— Hum... — vovó resmungou e abandonou o aparelho num canto no balcão da cozinha. E continuou preparando e assando os pães como sempre fizera.

Mas, um dia, minha tia chegou e fitou demoradamente a máquina. Depois procurou pelo manual, leu as instruções e arriscou a receita mais básica de pão.

A máquina entrou em funcionamento e, assim que os primeiros chacoalhões e tremeliques dela surgiram, todos nós, primos, primas e tios, reunimo-nos ao redor para vê-la atuar. Logo subiu um cheirinho de farinha amassada, bastante semelhante ao de quando vovó preparava os pães.

Vovó também apareceu na cozinha e, descrente, assistia tudo recostada no batente da porta, braços cruzados e cenho franzido.

— Duvido que saia alguma coisa que preste daí! — ela disse, lá pelas tantas, mas a máquina a desmentia, preparando uma massa macia e elástica, muito bonita, segundo a minha tia.

Mais tarde, iniciou o último processo — assar o pão — e pudemos sentir o cheirinho bom.

Quando a máquina apitou, avisando o final da feitura do pão, todos corremos para averiguar o resultado e a prova foi a favor da máquina.

— É fácil de fazer, e o pão é uma delícia — asseverou titia — até uma criança poderia fazer um pão deste jeito.

E para constatarmos esta possibilidade, apostamos que, no dia seguinte, quem prepararia os pães seríamos nós, as crianças.

Como era o esperado, tudo ocorreu bem e o pão ficou tão gostoso quanto anteriormente.

A mesma cena se repetiu dia após dia, revezando-nos na feitura do pão, mas podíamos sentir que havia uma ponta de inveja nas feições de vovó toda vez que a máquina era posta em funcionamento. E não a vimos comendo pão da máquina.

Às vezes, encontrávamo-na sentada numa cadeira, voltada para máquina em atividade, mãos entrelaçadas e um olhar de desespero, quase a asserção de sua inutilidade naquela casa.

Vovó não mais preparava pães e, além disto, ela passou a negligenciar outras atividades domésticas. Apenas observava a máquina cumprindo uma tarefa que antes era sua.

Contudo, certa manhã, fomos acordados por gritos de titia.

— Um bandido! Um bandido entrou aqui em casa!

Assustados, fomos todos à cozinha e a encontramos toda revirada. Panelas no chão, pratos e copos estilhaçados e, o pior de tudo, o bandido havia levado a máquina de pães.

Titio apanhou uma espingarda (que não sabíamos que existia até aquela data) e vasculhou os arredores para se certificar de que o bandido havia realmente partido.

Ficamos todos muito amedrontados e a polícia foi chamada. Foi uma grande comoção, vizinhos vieram e vários diziam que, daquele dia em diante, não deixariam mais portas e janelas abertas, e que a vizinhança já não era tão segura quanto antes.

A única que parecia aliviada era vovó, que graças ao ladrão havia sido livrada do seu pior inimigo, a máquina de fazer pães. Mas titio não pôde evitar de comentar:

— Não fique chateada, mãe, quando nós formos a Miami de novo, eu compro uma nova máquina pra senhora.

Mas chateada ela não estava e, naquela tarde, ela havia sido restaurada ao posto de padeira oficial da casa.

Só que, ontem, ao brincarmos de desbravadores da selva Amazônica no pomar atrás da casa, sem querer, eu tropecei e caí em meio às bananeiras. Foi quando percebi o troço branco que me atrapalhara, todo quebrado, ali no chão. Sem dúvida, a máquina de pães já tinha visto dias melhores. Foi então que conclui que nunca havia existido ladrão algum e que o sumiço da máquina era pura e simplesmente um gesto de vingança.

Não contei a minha descoberta para ninguém, pois não quero comprometer vovó. Mas hoje mesmo, nossos olhares se encontraram durante o almoço e, maroto, fiz um sinal com a cabeça, em direção ao jazigo da finada máquina de pães. Ela compreendeu e, mais tarde, me perguntou se eu queria que ela preparasse algum doce especial para mim.

Este será o vínculo da nossa cumplicidade e meu trunfo: amanhã, pedirei para vovó fazer doce-de-leite, e no dia seguinte, goiabada, e quero macarrão e pernil de porco no almoço de domingo. Tenho certeza de que tais pedidos, e muitos outros depois, serão realizados.