Era só conversa fiada

 -  Minha mãe proibiu nosso namoro! – disse a garota, tentando recuperar o fôlego.
 
Moravam na casa apenas a mãe e a filha adolescente.Dona Jaciara engravidou aos quinze anos e temia que o destino da filha fosse igual ao dela, o de mãe solteira. Era rígida com horários e amizades da menor.A relação das duas que já era conturbada agravou-se com a descoberta do namoro:
 
- Onde já se viu, Enila! Você é ainda uma criança e ele homem feito!
 
Mentiu para mãe.Disse que havia terminado o namoro, mas encontrava-se com Tielson às escondidas.Não tardou para que mãe descobrisse a farsa e aplicasse à filha punições ainda mais severas.
 
Tielson era segurança de uma padaria próxima à escola da menina. Alto, um típico físico condizente à sua profissão, moreno, vinte e cinco anos, sedutor.
 
“A sorte está do meu lado”, foi o que Enila pensou quando o inspetor passou de sala em sala dispensando os alunos. Um cano de água havia estourado inundando o pátio escolar e o reparo se fazia urgente. Coincidentemente, neste dia, Tielson estava de folga.Ligou para ele do celular da amiga, já que o seu, sua mãe havia confiscado. Ouviu do rapaz:
 
- Que notícia boa! Vamos aproveitar o dia? Vem para cá!
 
Desligou o telefone eufórica. Pegou o ônibus, e na porta da casa do namorado, gritou:
 
- Cheguei, Ti!
 
Quando o rapaz apareceu na porta de short e sem camisa, a mãe flagrou os dois aos berros:
 
-Seu ordinário, sedutor de menores! Da próxima vez, eu venho com a polícia!
   
Saiu puxando a filha pelos braços, que chorava envergonhada.Os vizinhos amontoavam-se às janelas, às portas da casa, atraídos pelo escândalo gratuito.
 
-Quando a diretora me ligou e me contou que os alunos seriam dispensados, eu duvidei que você fosse direto para casa, Enila, mas jamais podia imaginar que você viesse para o barraco desse marginal!- vociferava D.Jaciara.
 
A vigilância em cima de Enila aumentou de modo que ficou difícil encontrar-se com o rapaz sem ser descoberta.Passou mais de um mês sem ver o amado.
 
O rapaz mexia no celular que acabara de comprar ainda tentando entender as funções quando Enila apareceu na sua frente:
 
- Eu tenho vontade de matar a minha mãe!
 
Vinte dias depois do encontro com Tielson, a garota estranhou a demora da mãe para o jantar. Amanheceu o dia e D.Jaciara não apareceu.
 
Deram queixa na polícia; a mulher havia desaparecido sem deixar pistas. A menina passou uns dias na casa da avó e, na volta, procurou pelo namorado.Desabafou:
 
-Tielson, minha mãe sumiu há duas semanas, ninguém sabe dela!
 
- Finalmente você apareceu, por que demorou tanto? Eu procurei você na escola!
 
- Por quê? Eu estava na casa da minha avó, é longe.Estão todos preocupados! Você ouviu o que eu falei? Minha mãe sumiu!
 
-  Está aflita? Não era o que você queria? Ela resistiu, lutou o quanto pôde, mas agora ela está fora do nosso caminho.Joguei o corpo no rio.
 
-  Vo- cê matou a min-ha mãe? – gaguejando.
 
-  Ué? Olha aqui, está gravado no celular o seu desejo- apertando a tecla - “Eu tenho vontade de matar a minha mãe!” - escutei a gravação várias vezes antes de tomar a decisão!Fiz isso por você!
 
-  Mas era só conversa fiada, não era para valer.Você não podia ter feito isso! Vou chamar a polícia, seu louco!
 
-  Que foi? Bateu arrependimento?Louca é você! Louca e mal agradecida!Pode chamar a polícia, mas não se esqueça de que você é a mandante do crime.Está gravado!Não vou me ferrar sozinho!
 
A garota saiu da casa do rapaz desesperada.Poucos metros depois, vomitou.
 
Foi morar com a avó e o tio e nunca contou o que sabia a ninguém por medo das consequências.
 
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-Você se arrependeu do que fez?
 
-Não. Fiz o que pude por ela. Perdi minha juventude, o amor da minha vida, o apoio da minha família.E o que eu ganhei com isso? Ela sempre me tratou mal, me desobedeceu.Chega!Agora é minha vez de ser feliz!Ela vai ficar bem com a avó dela.
 
-Entendo...Vamos esquecer o que passou.Come o pãozinho que acabei de trazer lá do trabalho, Jaciara.

 
-Ai, adoro quando você me traz café na cama, Tielson.


 
(Maria Fernandes Shu – 04 de março de 2009)


*DESAFIO LITERÁRIO PROPOSTO POR DJANIRA LUZ: TEXTO COM A EXPRESSÃO "CONVERSA FIADA".

TEXTO DE DJANIRA LUZ
http://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/1464285

TEXTO DE NILSSON:
http://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1462540
 
 
 
 

Maria SHU
Enviado por Maria SHU em 04/03/2009
Reeditado em 08/11/2012
Código do texto: T1469201
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