APENAS UMA GOTA

Percebendo seu incômodo e evasiva assim que entrou pela porta, abracei-o fortemente após acuá-lo num canto da cozinha, entre a geladeira e a pia.

Disse-lhe com carinho, a voz baixa, quase sumida "Você vai me deixar?" Ele apenas apertou com força os olhos enquanto suas mãos se crisparam nas minhas costas. Meneou então um sim com a cabeça, como se estivesse tão penalizado que nem mesmo tive coragem de pedir que ficasse. Ficamos assim, naquele canto, seu suor empapando meu corpo, por minutos que a indecisão pareceu alongar.

Era o terceiro que me deixava em dois anos. Partiam para a cidade grande cheios de comiseração e nunca soube por que não voltavam. Ofertei-lhe meu melhor sorriso amarelo de compreensão, soltei-o e abri a geladeira, tão vazia... Abri depois a janela da cozinha e dei com um rincão tão ermo e tão desmaiado. O mato seco, rasteiro, tomava conta de tudo num cinza pardacento tão silencioso, e a poeira da rua parecia cozinhar num forno invisível.

Encostei-me, as mãos no queixo, no peito e estômago a sensação de uma porta entreaberta na secura e fome do mundo, como o poço aberto no ano passado. As crianças, apesar da magreza extrema, brincavam no quintal esquecidas do depois que se limitava entre um prato de palma e outro.

O poço secando, a janela enquadrando a lonjura do mundo e eu, como buracos sem dó, olhos fitos num céu tão azul... De um azul tão vivo, escancarado pro infinito além da compreensão das coisas do mundo e dos destinos das gentes.

No poço, o último cadinho d’água salobra com gosto de lágrima; a mesma talvez que me molha o rosto... e uma janela de espera... Talvez um dia a chuva venha e fique para sempre; ou um dos que se foram voltem também.