A CARANGUEJADA

A Caranguejada

Certa vez, quando estive em Fortaleza a trabalho, fui num domingo a um barzinho à beira mar e pedi uma cerveja. O garçom, solícito, me ofereceu como tira gosto patinhas de caranguejo. Eu nunca tinha provado tal petisco, mas me deliciei e repeti a dose. Depois desta ocasião, nunca mais comi carne de caranguejos. Até que mudei para o litoral. Por aqui é até meio comum ser convidado para comer um ou outro caranguejo na casa de amigos. Mas não foi o que aconteceu sábado passado; neste dia fui convidado para uma caranguejada, com direito a festa e tudo.

Cheguei à casa de seu Mário, o anfitrião, por volta das onze horas da manhã e o pessoal já estava quase todo lá. Éramos umas trinta pessoas entre adultos e crianças, uns sentados na varanda, outros em rodinhas de bate papo, quatro jogavam truco sendo observados por meia dúzia de “perus” que, provavelmente, esperavam sua vez de jogar. Eu, que por timidez, sempre tive uma dificuldade enorme para me entrosar em conversas com mais de duas pessoas, fiquei perto do fogão conversando com seu Mário. Contou-me que seu genro havia ido caçar os caranguejos num mangue na baia de Guaratuba na noite anterior. Noite de lua boa, segundo ele. Para o fogão, daqueles de quatro bocas, estilo industrial, seu Mário trouxe, com o auxílio da esposa, dois enormes panelões de alumínio e ficamos ali, papeando sobre futebol e tomando cerveja. Depois de algum tempo, seu Mário deixou-me para ir receber dois casais que estavam chegando. Fiquei por ali, sozinho, e comecei a perceber uns ruídos estranhos. Pareciam ser algo como arranhões de arame sobre uma superfície de metal. Olhei para um lado e para outro e nada vi. De repente, virei-me para o fogão e percebi horrorizado, pernas cabeludas saindo pela tampa dos panelões já fumegantes. Sem saber o que fazer, chamei seu Mário que rapidamente pegou uma enorme colher de pau e empurrou os caranguejos fujões de volta para as panelas, não esquecendo de colocar sobre cada uma das tampas um tijolo bem pesado.

Que cena dantesca; aquilo me embrulhou o estômago de tal maneira que deixei a festa bem de fininho e corri para casa. Não podia acreditar que era dessa forma que se matavam os caranguejos e creio que, nem mesmo Torquemada, nos seus mais loucos e infames delírios poderia imaginar castigo mais cruel do que este. Juro que quando alguém me convidar novamente para comer caranguejos, eu o olharei com um misto de medo e repulsa e não aceitarei o convite, afinal, se o sujeito é capaz de cozinhar animais vivos certamente não serve para ser meu amigo. Não possuo vocação para a hipocrisia, pois sou onívoro e não tenho preconceitos de comer carne de animais. Afinal, existem espécies que são criadas para esse fim, mas os caranguejos, tímidos e arredios como são só gostariam mesmo é de procriar e continuar vivendo em paz nos mangues sem incomodar ninguém. Definitivamente, não merecem morte tão horrível.

ee.

Elias Ellan
Enviado por Elias Ellan em 25/03/2009
Código do texto: T1504817
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