As Chamas Que Nunca Se Apagam

Eu jurava que minha vida seria como sempre imaginei. Viver amores impossíveis, residir em uma enorme casa com uma enorme piscina e tudo o que tenho de direito. Casaria com uma bela modelo gaúcha que me daria uma penca de filhos e, juntos viveríamos tudo aquilo o que sempre desejei.

É, pelo visto isso ficará em sonho, minha vida é o oposto disso. Meu nome é Antônio, mais conhecido como tônico, tenho 24 anos e sou mendigo. Não me envergonho disso, pois sei de onde eu vim e tento descobrir para onde vou.

Vivo nas ruas desde os meus 15 anos, pode ser muito cedo? Sim, mas tudo isso foi um grande alicerce. Por quê? Tudo bem eu explico.

Nunca tive uma presença paterna. É isso! Na verdade não é apenas isso, há muitas outras coisas que me fizeram cair na noite vivendo os perigos e medos de uma

São Paulo após o horário permitido.

É estranho você tentar ver-se em uma situação e não ter algum amparo. Já sofri tanto que nem sei mais o que é viver, também o quanto que vi, presenciei e senti nas ruas não tem cotejo ao meu modo de pensar.

Sou catador de latinha e revendo drogas. O dinheirinho não é muito, mas pelo menos da para comprar o pão de cada dia. Ninguém é de ferro e como diria minha velha e falecida avó “Saco duro não para em pé”

Em minha opinião nem em pé, sentado, deitado ou até mesmo de cócoras

(uma posição repugnante)

Eu não sou louco se é isso que pensam, só estou tentando relatar aqui a vocês tudo o que guardo aqui em minha memória que muitas vezes me alegra, e que muitas outras me faz sofrer.

Já apanhei nos arredores das vielas e ruas. Não estou mentindo, é a mais pura verdade, vou narrar a vocês.

Era inverno, mais ou menos onze horas da noite. Antônio, 24 anos estava ali apoiado rente ao banco da praça. Trincava-se de frio. A única coisa que o aquecia era pedaços de jornal amassado que punha em seus pés, um papelão que servia como cama. Segurava em uma de suas mãos um teco de pão puro e em sua outra um copo de café.

Já não havia mais circulação na rua. A lua cheia clareava toda a praça do vale do Anhangabaú, que estava sobreposta por uma penumbra intensa.

“Esta noite vai ser uma das piores” pensava Antônio olhando para o alto. “Espero que pelo menos o senhor me ajude.”

Silêncio. Ouvia-se apenas o farfalhar das árvores. Nisso, Antônio deitou-se em sua pequena cama (se era que podia chamar aquilo de cama), enrolou-se aos pedaços de jornal e dormiu. Já não podia saber se aquele lugar era um dos melhores ou piores para se viver.

Em meio ao frio. Logo ao fundo, um grupo de jovens andava em direção ao lugar em que Antônio ficava. Os outros pedintes que residiam ali estavam tão atentos a tudo que estava a sua volta. Quando deram por si que estavam aproximando-se, apanharam suas coisas e correm feito loucos como em um válido arrastão. Antônio foi o único que não obteve-se a mover um músculo se quer para sair dali.

- E ai meu truta? – perguntou o cara mais alto que parecia ter entre uns 20 anos, mas com cara de 30 anos.

- Truta?

- É mermão, qualé ta ramelando a nossa cortesia? – perguntou o mais baixo.

- Não! Só que não entendi muito bem.

- Tem um baguiu ai?

- Que baguiu?

- O baguiu velho! Aquele que nóis deu a tu semana passada.

- As balinhas? Isso?

- É, caiu à ficha – respondeu autoritariamente – cadê as verdinhas?

- Ainda não recebi.

- Como assim não recebeu ainda? Tu cede o baguiu e não recebe? Que merda é essa?

Antônio tenta explicar a situação, mas é cortado.

- Mermão, tu não sabe com quem tu ta agitando – pega Antônio pela gola – sabe com quem que tu ta falando?

- Sei.

- Sabe?

- Sei... Buião, o trafica do morro do piolho.

- Isso mesmo. E sabe o que vai calhar se tu não der o borós agora?

- Vocês vão me dar uma redução por que...

- Que Mané redução – Dá um soco na face de Antônio. Ele em um único impulso caiu inerte no chão – Ta tirando, tou de brincadeira não!

Ali, em meio à praça começou a bate-boca. Antônio estava sendo como um saco de bruto. Tomava vários socos, chutes e até mesmo cacetadas se é que acredita. Ele estava só, não conseguia se defender por estar em minoria, porém em nem um momento deteve-se a se resguardar.

Sangue, isso era o gosto que sentiu após a agonia. Estava todo desconfigurado. Sua face estava inchada, roxa e sobreposta por sangue, suas mãos esfoladas, seu tórax corado e cheio de entorse. Aquilo não foi uma briga real, mas sim uma incoercível tortura.

- Espero que agora você aprenda.

Saíram dali como se nada tivesse incidido. Antônio ainda mantinha-se contorcido no chão. Chorava de dor. Não tinha como mudar o tempo, tudo já estava feito.

- Me de uma luz. Eu não posso ficar assim.

Ali, bem em frente à cascata, Antônio topou-se um galão de gasolina e uma caixinha de fósforo. Por sorte, algum pedinte que usava esse mesmo item para fazer fogo, poderia ajudá-lo nesta ocasião.

- Obrigado ai em cima!

Então, por um segundo algo nocivo cruzou pela sua cabeça. Em poucos segundos aproximou-se do galão, pegou em uma das mãos e andou até junto ao bando que acabou de violentá-lo. Ainda sentia fortes dores no corpo. Contudo, decidiu ir até o fim para vingar-se de uma funesta agressão.

- Pegue o carro logo – disse o mais alto.

- Espere ele está emperrado.

- Eu não diria isso.

O mais alto apóia-se na janela. Colocou um dos seus braços para fora e olhou diretamente ao seu rival.

- Que é, quer tomar outra surra?

- Não! Acho que já foi o bastante. já não sei vocês.

Notam o que ele carrega em suas mãos.

- Cara o que você vai fazer? – Perguntou em pânico.

- Algo que eu deveria ter feito há muito tempo – pausa – Não adianta fugir, vocês estão cercados.

- Você não...

- O que? Fazer o que estou pensando? Eu não vou fazer, eu já fiz.

Eles não perceberam, mas Antônio antes mesmo de se revelar, fez um circulo com pouca parte da gasolina. O circulo rodeava o carro todo. Uma grande astúcia, assim ao acender com apenas um fósforo eles não teriam por onde fugir.

- Cara eu te peço, não faça isso... Eu tenho uma filha pequena e...

- Não vai pôr-se com as desculpinhas. Não sou eu o lixo? Então agora serão vocês que irão de arcar com tudo o que fizeram.

- NÃO!

O Fósforo foi aceso. Antônio antes mesmo de jogar ajoelhou-se no chão. Abaixou sem pressa até próximo a uma poça da qual fizeram. Os jovens dentro do carro alarmaram-se e em um segundo arriscaram fugir. Já era tarde de mais.

- Adeus.

O fogo tomou toda a volta do carro, corroendo a sua parte externa. Os pedaços começaram a se corroer. Lágrimas escorriam de seus olhos. Dava-se para ouvir gritos vindos de dentro. Seria dos jovens. Antônio sobreposto por uma ira incoercível, pegou o pouco de gasolina que ainda restava no galão e o atirou para o fogo. Um estouro acabou com tudo. Ele não tinha mais ânimo para seguir em frente, contudo deveria ser forte. Partindo daí foi então que ele começou a entender que a vida é muito ardilosa em tudo o que faz. Quando pensamos estar feliz, ela vem e nos tira tudo o que temos de bom. Sempre com algo prejudicial. Era para ter acontecido.

Tudo realmente estava consumido. Toda minha existência foi e sempre será um martírio. Não tenho amigos ou família. A única coisa que sei é que terei de seguir em frente sempre de cabeça erguida, sem a ajuda de ninguém, a rua é realmente o meu lar e só me resta uma única solução: continuar nessa vida com apenas uma companhia, as Drogas, já que as chamas nunca se apagam.

Well Rianc
Enviado por Well Rianc em 25/03/2009
Reeditado em 14/04/2009
Código do texto: T1505019
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