22 MINUTOS DE SOLIDÃO

22 MINUTOS DE SOLIDÃO

Para se embriagar basta estar sóbrio.

- Garçom, mais um chope. Pediu Gustavo angustiado. Quantos mais terei que tomar para perder de vez a lucidez? Não quero pensar nessa danada de vida. Essa história de ser responsável cansa. Pagar a escola das crianças, não posso esquecer, caso contrário a Lourdinha me esfola vivo. Agora achar que os dois são crianças: um com vinte e quatro o outro acho que já passou dos trinta. Crianças!

Buscando o garçom com o olhar, Gustavo grita.

- Pô, onde está meu chope? - Sem obter resposta volta aos seus devaneios - Ah! Tenho que consertar o telhado... Nem é meu... É daquela velha que não sai do meu pé... Aquilo não é sogra é encosto. Deixa chover, tem mais é que molhar, quem sabe a jararaca pega uma pneumonia e vai secar-se no inferno.

O garçom coloca o chope em cima da mesa e se afasta deixando escapar um sorriso malandro por entre os dentes. Parecia ler e compartilhar dos pensamentos do cliente.

-Vai preparando outro, diz Gustavo, e desta vez sem colarinho, bem gelado. Copo grande. Ok... - O IPVA está atrasado, também pagar uma fortuna por um carro velho daqueles. Vive quebrado... E por falar na lata velha será que o mecânico conseguiu desencavalar as marchas. Com certeza vai ser outra facada.

Gustavo dá mais uns goles e continua o desabafo. Esqueci de comprar o remédio do cachorro. Aquele vira-lata vive melhor que eu, além do mais deu para comer o meu jornal... Filho da P... É amigo da Lourdinha, cachorro esperto, escolheu a dona certa, ela faz tudo que ele quer... Já eu, se bobear, durmo na casinha.

O garçom parou ao lado com outro chope na mão.

Ué!... Não pedi nada, esse cara é malandro, está pensando que vai me embebedar. Mas, já que está, deixa ficar. – O garçom colocou o copo sobre a mesa e após mais um sorriso maroto se afastou sem nada dizer.

Gustavo começava a simpatizar com o garçom. Principalmente por ficar calado. – O IPTU, esqueci de pagar. Ah! Essa minha cabeça... A casa nem é minha, o aluguel um absurdo.

Os pensamentos passavam aos turbilhões na cabeça do pobre marido de Lourdinha, que a esta altura não sabia mais o que era real ou imaginação. E o garçom? Era garçom ou um velho amigo de quem esquecera o nome. Não, já sei... Ele é espião da minha sogra.

- O espião, quer dizer garçom, traz outro chope. A saideira tá!

O rosto de Gustavo deixava claro seu estado de embriaguez, as pernas debaixo da mesa teimosamente não conseguiam ficar cruzadas, as palavras se repetiam desconexas, mesmo em pensamento.

- Preciso ganhar na loteria. Antes tenho que começar a jogar. Vou fazer uma fezinha. Já pensou se ganho, um monte de milhão... Preciso me esconder se não o cunhado vai logo aparecer. Pra consertar o telhado da velha não tem tempo, mas, para meter a mão na minha grana vai sobrar tempo... Esse garçom, não sei não, também está de olho no meu prêmio.

Gustavo tirou da carteira a fotografia de Lourdinha, beijou-a com carinho e a guardou novamente. Difícil foi colocar a dita carteira no bolso.

- Alguém costurou esta droga de bolso... Ah! Lourdinha como você era bonita e carinhosa... Agora? Gorda, e por cima, adora aquele vira-lata. Sabe, a secretária do Nestor, tá dando o maior mole. Sei lá, acho que é fria. Fria? Não, frio, estou com frio. Vou dar uma cochilada aqui mesmo na mesa o garçom nem vai perceber...

- Doutor Gustavo... Senhor presidente... Acorde, está na hora de sua reunião com os ministros. O senhor pregou no sono mesmo heim doutor! Faz vinte e dois minutos que o senhor dorme aí na poltrona, parecia até sonhar.

- Obrigado garçom! Oh! Perdão, obrigado senhor secretário ou devo dizer senhor Nestor.

- Como queira, senhor presidente.

Enquanto o presidente se afastava, Nestor, indignado, resmungava.

- Garçom? Onde se viu! Garçom...

Claudio De Almeida
Enviado por Claudio De Almeida em 13/04/2009
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