Um conto inacabado

“Meu destino é viver só”. Esta música retumbava em sua cabeça, com a mais simples , ao mesmo tempo a mais difícil aceitação que poderia existir. Quantas vezes já não havia sido dito que o ‘ser humano não é uma ilha’. Absoluta verdade. Não nascemos para vivermos sozinhos. Mesmo os que insistem que são destas maneiras, seus travesseiros contêm décadas e décadas de lágrimas derramadas na escuridão. Mas um dia o travesseiro não mais dá conta. Ele não mais consegue suplantar as necessidades. Estas são mais fortes que seu pseudo-conforto. Começa a faltar algo. Algo que nunca poderá ser preenchido. É o início do relógio-interno. Ou a aceitação deste. O relógio, sempre existiu. Desde quando nascemos, ele está ali, contando os minutos de nossa existência, ou melhor, subtraindo estes nossos minutos. A maioria de nós não se apercebe, enlevado pela construção do mundo, que tudo ao redor cria de maneira que possamos viver com certo conforto, ao mesmo tempo que ele se torna árduo para não prestarmos atenção ao mecanismo que há por trás.

Mas alguns de nós consegue escapar. Não é bem uma fuga, mas o trauma. O trauma é algo tão forte que pode nos arrancar desta pseudo-tranquilidade e nos arremessar no olho do furação. O grande problema é o retorno, não há. Uma vez ciente, uma vez no vórtice, não há como retornar. E aí reside a grande tristeza. Não pelo que perdemos, mas pelo que descobrimos. O conhecimento é triste afinal de contas. Isso me lembra os caranguejos, eles quando colocados na panela, e a água sendo fervida lentamente, de nada eles se apercebem. Sentem apenas uma embriaguez que aos poucos vai minando suas forças. Mas não há realmente um momento em que eles se debatem em pânico ou que procurem sair desesperadamente. Eles simplesmente se adaptam até a morte. Mas , imagine um caranguejo que tome ciência, que perceba que e água está sendo aquecida aos poucos, qual seria a vantagem deste caranguejo ? Talvez em seu diminuto e primitivo cérebro ele tenha a noção de medo, de auto-preservação. Ele não vai conseguir ficar inanimado como os outros. Ele vai agonizar. E não vai conseguir voltar ao estado de contemplação que os outros estão. Sim, você pode argumentar, o resultado é o mesmo. Mas a carga de sofrimento, será que é assim realmente necessária ? Alguns argumentam que este é necessário para aprendermos. Outros, que é uma procura pos si só, um masoquismo às vezes até inconsciente. Mas para ele, sempre seria o que sempre foi. A expiação. Uma vez sacudido e acordado para esta, não havia retorno, é a subida incansável do Gólgota. Tanto faz apressar-se como ir mais lentamente. A agonia é a mesma, não se altera com o tempo. È como se fosse uma dimensão diferente, na qual o fator tempo em si, não faz diferença. Apenas o é. É a agonia presente , inefável e perene.

Ricardo Boratto
Enviado por Ricardo Boratto em 17/04/2009
Código do texto: T1544650
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