Vampiro Insone

Acordava todas as manhãs amaldiçoando o sol. Antes de dormir, sempre depois das três da madrugada, verificava todas as cortinas de sua casa. Queria certifica-se de que não haveria brechas por onde o sol entrar, despertando-o de seu sono vampiresco. Mas indubitavelmente despertava sempre às seis e meia da manhã. Puto. Enraivecido por não ter descansado do dia anterior, cansado pelos inúmeros cigarros fumados madrugada adentro.

Lá fora o dia começava quente e movimentado. Ele tinha que levantar-se, tomar seu banho, comer qualquer coisa e sair para o trabalho. Levantava-se a muito custo, esbravejando impublicáveis palavrões contra Deus e o mundo. Praguejava violentamente, culpando-se pela sua própria mediocridade e sua total incapacidade de mandar seu chefe, seus vizinhos, o caixa da padaria da esquina (que todo dia lhe saudava com um cretino “Olá amigo! Tudo bem?”), todos enfim que por ventura cruzassem seu caminho, a puta que os pariu!

Mas lá ia ele... Depois de tomar seu banho matinal, raspar maquinalmente sua barba, engolir um pedaço de pão duro e dois goles de café frio... Lá ia ele cumprir mais uma jornada de trabalho insalubre, insignificante, entediante, rotineiro, enfim, estúpido.

Durante todo dia ele era dominado por um sono mórbido. Suas pálpebras cansadas insistiam em fechar-se, mas seu chefe não lhe dava descanso, fiscalizando-o de perto, atento para seus prováveis deslizes, louco para puni-lo com um desconto em seu parco salário, ou conseguir qualquer prova de sua incompetência para demiti-lo por justa causa.

O dia no trabalho era sempre intragável, detestável, deprimente e entediante. Sempre ao sair de casa ele dizia para si mesmo que não iria sorrir para seus colegas de repartição, que não trocaria comentários idiotas com os homens que lá trabalhavam sobre futebol, as pernas e bundas das funcionárias e a provável condição de corno do chefe. Mas chegando lá, de novo estava às voltas com comentários cretinos com seus colegas, sorrisos hipócritas para todos, várias e várias xícaras de café e cigarros, numa luta hercúlea para não dormir. Sempre pensando em voltar para casa e cair na cama, dormir como um cadáver.

Mas o final do expediente de trabalho lhe trazia sempre dissabores. Pensava no rush do lado de fora do escritório, o engarrafamento, a lentidão do trânsito àquela hora, nos coletivos entupidos de trabalhadores suados, fedorentos e fatigados, retornando aos seus subúrbios cinzas e distantes. Entretanto enfrentava todo o desagrado, dividindo ínfimos espaços nos ônibus superlotados, espremido entre axilas fétidas, esfregando seu sexo em bundas anônimas, e ele mesmo tendo a bunda praticamente enrabada por genitálias masculinas que se esfregavam em seu traseiro... E enfim, chegava em casa.

Sempre ao chegar em casa, sua primeira providência era fechar as cortinas para em seguida tomar banho. Passava quase uma hora debaixo do chuveiro, de cabeça baixa, deixando a água escorrer pela sua cabeça abaixo, enxurrando seus ombros, suas costas, sua nudez, com sua revigorante sensação de limpeza... E depois do banho, imediatamente corria para a cama, pois o cansaço era gigantesco. Mas não conseguia dormir. Inexplicavelmente o sono ia embora, e depois de muito se virar de um lado para o outro da cama, buscando desesperadamente perder a consciência, desistia e erguia-se. Sentava-se na sala, acendia um cigarro atrás do outro, pensando no dia seguinte, e assim as horas iam passando, a madrugava tomava conta de todo o ambiente, e ele simplesmente não conseguia dormir. Olhava para o relógio: uma, duas, três, quatro horas da manhã... E então o sono chegava. Mas invariavelmente às seis e meia da manhã acordava praguejando palavrões contra Deus e o mundo...

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 22/04/2009
Reeditado em 26/10/2010
Código do texto: T1553259
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