UM DIA NA ROÇA.

Era uma manhã ensolarada, dessas que nos tempos chuvosos, se faz mais intensa; num ano bem distante na década de 70, quando a menina Ana foi levada por seu pai, Sr. João – homem do campo, rude, mas de um amor paternal imenso e muito trabalhador – à roça. De vez em quando, tinha que recorrer de sua ajuda, quando a esposa – D. Maria, não podia acompanhá-lo.

Como era a filha mais velha, sempre aparecia tarefas que necessitavam de sua colaboração, embora ainda fosse uma menina e tivesse que estudar.

Já havia iniciado o período invernoso, tão esperado por tantas famílias daquele sertão, com o fim de cultivar a agricultura de subsistência. E naquela família não era diferente.

Eram pobres agricultores, que não dispunham de terras próprias e para tal cultivo tinham que ser meeiros, ou seja, cultivavam a terra e o que nela rendesse seria dividido ao meio para o proprietário da terra e para quem nela trabalhasse.

Percorreram longa distância no lombo de um burro, de sua casa até a roça. Lá chegando, se utilizaram de uma árvore que dava uma boa sombra para a proteção de alguns pertences. Não eram muitas coisas, apenas um vasilhame com água e um pequeno lanche, além das sementes que haveriam de plantar.

Seu pai, Sr. João, começou explicando como proceder para fazer a plantação. Ele cavaria a cova e a garota Ana colocaria as sementes – que deveriam ser na quantidade de cinco a seis – e puxaria aquele barro/areia com o pé para fechar a cova. Tudo explicado e visivelmente compreendido. Depois disso, começaram o trabalho.

Enquanto a manhã corria, uma carreira após a outra também era semeada. Por volta de dez horas, comeram o lanche. Tomaram água pela terceira vez. Perceberam que a água, já estava acabando. O Sol estava muito forte e a sede era constante. Lá para o meio dia e meio, o sol já ardia; a pele branca da pequena Ana já estava queimada, a fome tomava conta de suas entranhas; a fadiga invadia-lhe sem piedade e tudo que Ana queria era terminar aquele árduo trabalho.

Sr. João, na frente a encorajava e apesar disso, Ana já estava com suas forças esgotadas. Então diante das circunstâncias, pensou:

- “se terminarmos de plantar estas sementes iremos para casa...” E com esse pensamento começou a colocar em cada cova um punhado de sementes. Assim sendo, não demorou muito, chegaram ao final daquele plantio.

Sr. João achou estranho, pois a quantidade que ele havia levado daria para semear todo o terreno e ainda sobraria. E naquele instante havia faltado, pensou:

- “devo ter calculado errado”. Agora só resta encerrar por hoje!

Deram por encerrada a tarefa e voltaram para casa.

As chuvas caiam diariamente. O sol entre uma chuva e outra aparecia. Eram vitais para a germinação e crescimento daquelas sementes. Passaram-se alguns dias e o Sr. João voltou à roça para verificar seu plantio. Ao longe já observava que havia nascido e que estavam crescendo rapidamente; mas quando se aproximou, imensa foi sua surpresa: viu touceiras de feijão, que tomava conta de mais de um terço do campo da plantação. Ficou furioso! Não acreditava no que via. Ana tinha bagunçado a plantação.

Agora entendia o porquê de ter acabado tão rápido as sementes no dia da plantação. Ana jogara à vontade, com o desejo de terminar logo e agora estava explicado. Ana em sua inocência não imaginava que quando as plantas nascessem, a denunciaria.

- Ah! Que raiva! Que menina mais impulsiva e cheia de astúcia! – gritava Sr. João.

E agora era necessário arrancar os excedentes para que os demais pudessem ter espaço para crescer. Foi um trabalho danado! Retornando a casa, ainda estava muito zangado e só pensava em encontrar Ana para repreendê-la. e murmurava:

- Ah, Ana você merece umas “boas lapadas”! Isso merece!

Quando Sr. João entrou em casa, foi logo falando para D. Maria tudo o que havia ocorrido e em seguida perguntou por Ana. E completou:

- Terei que lhe aplicar um corretivo, isso não se faz!

D. Maria, uma senhora muito amável e compreensiva, tratou de apaziguar o ânimo de seu esposo e fez com que ele relevasse tudo aquilo, afinal de contas Ana era apenas uma menina. Que deveria estar sempre na escola e não na roça; naquele dia havia perdido aula para ir ajudá-lo. E se tinha acontecido tudo aquilo, tinha sido pelo excessivo cansaço. Depois de muita conversa, ela conseguira acalmá-lo.

E assim, quando a Ana retornou da escola, seu pai estava mais calmo e tratou de conversar com ela. Quando ela soube, ficou muito envergonhada – chorou copiosamente e pediu perdão ao seu pai, pois não era seu desejo desperdiçar as sementes, nem o tempo do seu pai. Apenas queria encerrar aquela jornada de trabalho, pois se encontrava exausta. E foi a única forma que encontrou naquele momento.

Sr. João pensou em tudo aquilo, refletiu e chegou à conclusão: que não se pode exigir das pessoas – em qualquer circunstância – algo que esteja além de suas forças, pois não será obtido da forma que esperamos. Cada pessoa tem seu limite. Devemos respeitá-lo.

Cellyme
Enviado por Cellyme em 21/05/2009
Reeditado em 13/07/2020
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