Um sorriso - 1a. Parte

Não é o sorriso que diz exatamente o que sentimos. O sorriso pode ser apenas uma amostra de algo que não é verdade. Não que o sorriso em si seja falso, nem a pessoa talvez o seja. Apenas ela não quer exteriorizar aquilo que a machuca. Fica a questão, o que é mais humano ? O sorrir verdadeiro ou a força que impulsiona o ricto dos lábios , eternizando uma dolorosa inverdade ? Dolorosa, porque por dentro , a pessoa se destrói conscientemente. É o sorriso do perdedor que tenta demonstrar que a vitória nada lhe significaria, o sorriso daquele que perde aos que ama e , para mostrar a ‘força interior’ que possui, se põe a sorrir e dizer ‘está tudo bem, eu me recupero’. Ou quem sabe é a tristeza daqueles que, num convívio social escolar, na qual somente os fortes prevalecem, num pueril e como não dizer infantil jogo, na qual são escolhidos seus participantes, fica aqueles por último a serem escolhidos, se é que o são, pois o professor se inquietando pela disputa, não da participação do melhor para seus respectivos times e sim para evitar que determinado elemento não participe do seu grupo, o professor como num voto de Minerva determina que cada não ‘escolhido’ vá para um time. Os olhos destes sequer se levantam, seu passo arrastado o impele para o seu respectivo lugar, sabendo que seu aspecto físico esteja sendo vítima não só de um impiedoso olhar dos seus supostos colegas de último instante, como também se torna mais e mais vítima da mordacidade do despeito alheio.

Não foi nem a primeira, nem seria a última vez que ele passaria por isto. Os anos fariam com que isto diminuísse afinal, a elasticidade da infância e adolescência não é algo eterno. O que com certeza pensavam os escolhidos. Mas ele aprendeu. Aprendeu que ele nunca seria o escolhido. Não só no âmbito escolar. As festas seriam as maiores provas de sua inadequação. Rostos felizes, embriagados pela própria alegria ou pelo inebriante poder do álcool, o tornariam mais e mais distante. Ali está um grupo de pessoas conversando. O assunto não lhe é de nenhuma dificuldade, porque capacidade de se comunicar , no sentido de ter o que falar, não lhe é difícil. Mas a expressão sim. Se expressar. Ele se sabe incapaz de se expressar. E afinal , nunca ninguém vai se aproximar dele. E ele sabe disto. Porque ele não é um escolhido. Só os escolhidos existem, os demais, fenecem à beira do abismo. Não conseguem existir. Apenas fazem parte. Como o cenário de um filme. Ninguém repara que há um vaso em cima da mesa, a não ser que o vaso seja usado para atingir um dos protagonistas do filme. Caso contrário, ele vai desaparecer nas dobras do tempo sem sequer que se dêem conta que existia alguma coisa ali. Ele sabe também que assim o é com ele. Não só com ele. Com várias pessoas. Como mortos em vida que caminham sem destino, relegadas ao ostracismo existencial, não tanto por si mesmas, mas pela incapacidade que os escolhidos têm de amar alguém além de si próprio. Isto gera um questionamento, serão os escolhidos egoístas ? Ou será o não escolhido o aborto malformado da natureza ? É culpa dos escolhidos serem perfeitos ? Que culpa então ? Por serem preparados e serem repletos de amor sem culpa ? Que podem acrescentar e excluir alguém de suas existências com a facilidade que eles conseguem respirar de maneira aeróbica ? Não, no fundo, a culpa não é deles, eles o são assim simplesmente porque nasceram para ser assim. È como dizer que uma planta-carnívora não deve se alimentar de insetos , sendo que esta foi criada com este único e completo intuito. O erro é ele, abominação da natureza, perdido em um vórtex sem fim que o arremessa constantemente num turbilhão de tentativas ineficazes de existir.

Ele descobriu que era invisível para muitos, há muito tempo. Aliás, invisível para todos.

(Fim da 1ª. Parte)

Ricardo Boratto
Enviado por Ricardo Boratto em 19/06/2009
Código do texto: T1656918
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