Conto de Fadas Ao Contrário

"A busca da liberdade, até a gota da vida tocar o chão. Aí sim, verdadeira liberdade. "

Antony resolveu abraçar a noite. Talvez cansara da velha televisão, do velho quarto mofado nos fundos de uma antiga pensão familiar. Quem sabe precisava mudar tudo isto, dar um novo rumo a sua vida. Resolveu abraçar a rua naquela noite. Partiu sem pagar o aluguel daquele mês, levando uma mochila e seu velho radinho a pilha. Após sentir novamente o gosto da liberdade, sentou em um banco de uma praça esquecida pela noite e fez o seu jantar: um pão de dois dias amassado e alguns goles de vinho. Lembrou então da primeira vez que sentira-se livre. Já se passaram alguns anos desde então, pessoas e lugares ele conheceu. Levou apenas poesia disso tudo, anotadas em um caderno de folhas ásperas como as palavras lá contidas. Jantou e seguiu até a rodoviária, onde soube que um ônibus partiria logo ao amanhecer até uma grande cidade longe dali. Era sua chance e ele ainda tinha dinheiro. Escorou seus braços cansados na mochila e descansou por alguns minutos até ser acordado por um bêbado que passara gritando não muito longe. Levantou e acendeu um cigarro. Gostava de pensar olhando a fumaça subir, imaginava que cada cigarro possuía a mágica de prever o futuro apenas no ritmo em que a fumaça se dissipava no ar. Achou bem ali por perto um pequeno bar, onde se vendia café barato e alguns petiscos não muito agradáveis, porém de ótima serventia. Sentou-se próximo ao televisor e apreciou o gosto amargo do café. Tentou imaginar como seria sua vida no próximo destino, como iria arranjar dinheiro, onde iria dormir.. “são perguntas repetidas e tolas”, pensou por final e se distraiu vendo as noticias da madrugada. Ainda foram precisas mais três xícaras de café para permanecer firme no banco solitário e sujo do bar, mas conseguiu e seu ônibus iria partir em 10 minutos. Fumou um ultimo cigarro e embarcou, sentindo muito sono dormiu nos primeiros minutos de viagem.

Abriu os olhos e se perguntou onde fora parar o sol, e aquela manhã iluminada em que se encontrava instantes atrás. Aquele escuro fez ele, ainda tonto de sono, imaginar o horário.. meia-noite? Era seu horário favorito. Mas logo o ônibus saiu do túnel e a luz do sol atingiu seu rosto, e o relógio no seu pulso marcava 10:45. Pegou o caderno e iniciou um texto com este titulo, “10:45”.

10:45

“O mundo é seguro, atrás do vidro de um ônibus

Não importa se é noite, manhã ou tarde

Estamos blindados com a sorte de um monte de ferro

Eu vejo a solidão dentro de cada cidade

Deixo meu silencio em cada uma delas

Eu viajo a favor do vento...

Entendo os imundos,

Que se vestem bem,

Se parecem com anjos,

Algumas vezes eu erro,

Mas o maior erro,

Foi dar asas a estes seres

A solidão é selvagem,

Este mundo é perverso

Cada cidade possui vida e morte,

Suficiente para me fazer feliz ou triste,

Eu viajo a favor do vento..

Meus olhos entendem a cidade,

Placas e pessoas, fazem parecer novidade,

Mas este aglomerado de concreto e asfalto

Eu já vi antes,

Eu já sofri antes do mesmo mal

Não posso mentir para mim mesmo

Mas posso fingir que esqueço disto,

Trapacear a si mesmo é sempre mais difícil,

Fazer outro chorar sempre foi fácil

Vai devagar o ônibus até um lugar distante,

Acho que a liberdade custa caro demais

Só que não posso voltar atrás

Eu deixei alguém esperando por mim

Eu deixei uma carta em cima da cama

Eu sempre viajei a favor do vento... “

E quando a poesia termina, sente vontade de chorar. Volta a velha instabilidade emocional. Lembra então, que não deve chorar em publico. Controla a vontade. Sente o peito apertado, quase explodindo e uma tristeza toma conta do seu ser. Concentra-se nos anúncios desta nova cidade, são cartazes espalhados pelos muros, placas, pichações, faixas, todos em um idioma que não consegue distinguir, assim como a cor do céu. Mal sabe se aquele céu esta azul ou cinza. Dentro de si, está cinza. Visitando a sua mente, surge a lembrança daquela velha história que ouvira um dia: Um demônio ocupa a sua cabeça. Vem o medo juntar-se com a tristeza. E aquela cruel paranóia começa o assustar. Os olhares dentro daquele ônibus parecem estar voltados todos para ele a partir deste instante. Fica inquieto, até o ar lhe fica escasso. Era algo como se todos sentissem ódio dele, como se ele fosse algum tipo de animal indefeso numa tribo de canibais. Sentiu-se como uma bruxa preste a ser queimada na inquisição. A paranóia estava o matando fazia um bom tempo já. Nos momentos de lucidez pensava se seria isso que iria matá-lo, mas naquele momento, tinha certeza. Decidiu descer do ônibus. Foi as pressas até a porta sem olhar pra ninguém, de cabeça baixa. Num salto estava a salvo. Salvo?

Descera em uma cidade estranha, talvez hostil, mas certamente desconhecida. As pessoas o olharam com desprezo atirado na calçada. Pensou “não causei uma boa primeira impressão”. Mas levantou-se e tentou andar rápido para fugir daqueles olhares penetrantes. Quando estava longe, três, talvez quatro quadras de distancia olhou para cima: enormes edifícios com janelas assustadoras, o topo parecia encostar no céu, logo traçou sua primeira meta: CHEGAR AO TOPO DE UM DESTES ENORMES EDIFICIOS!

Tomou um breve gole de vinho, talvez só para se sentir encorajado e decidiu entrar naquele monstro de concreto. Um homem logo o barrou e ele explicou, “preciso subir até o topo deste prédio.. é uma espécie de promessa, quero ver o céu lá de cima”. Não imaginou que seria tão difícil, com seu pedido negado, repetiu a frase em mais quatro ou cinco prédios de tamanho iguais e na sua ultima tentativa, ele conseguiu. Lá estava ele, no topo de um gigante prédio. Imaginava-se tocando o céu. Que maravilha era o ar lá em cima, e as pessoas tão pequenas e insignificantes lá em baixo.. com um cigarro na boca se sentiu o dono do mundo. Talvez. E pulou para alcançar no céu, no seu mundo estava sozinho e tocava nas nuvens. Foi feliz por alguns instantes. Pegou o lápis e se pôs a escrever:

As lagrimas do mundo

“Alto e silencioso, podia ser o dono disto tudo

Ter o poder que nunca tive num só cajado

Lançar raios, fazer tremer o chão. Ser o fogo

Eu podia aliviar as dores de quem sofre

Fazer sofrer quem sorri apaixonado

Escolheria se seria bom ou mau

Encostei a minha mão no céu

Algo aconteceu dentro de mim

Eu chorei por horas e horas

Queimou meus dedos

Não pude conter as lagrimas

Rolei de um canto ao outro

Acabei sacrificando meu orgulho

O céu azul pintei com sangue

Não fui o dono do mundo, mas chorei por ele

Machucou-me tão profundo

Como um machado que me corta

Lentamente. Braço, perna, mão..

E as lagrimas do mundo

São as minhas, no topo dele

Escorrendo pelas paredes universais

Alagando o espaço de tristeza

Coração amargado

A luz do mundo é triste

Fiz as lagrimas do mundo

Mas não fui o dono do mundo”

Acordou do delírio poético alguns minutos depois de escrever tal obra, quando um destes homens que sempre colocaram imenso pavor nele, apareceu no terraço e nem foi preciso dizer anda, obviamente. Limpou as ‘lagrimas do mundo’ e desceu com sua mochila. A cabeça baixa, como sempre. Andou até a avenida principal onde o movimento dos carros e os gritos dos vendedores causaram maior espanto nele, atordoado sentou num canto no meio de tudo isso. Sentiu algo no seu estomago, ou melhor, a falta de algo. Precisava de comida! Tratou de logo arranjar, sabia das artimanhas para conseguir comida na rua. Foi até um restaurante de alto nível que ficava na rua mais movimentada da cidade, pelo menos era o que pensava. Sentou-se na mesa e com um sorriso cordial pediu o que de melhor tivessem. Comeu e bebeu de maneira farta, “estou satisfeito por um ou dois dias” pensou. Exibindo ainda o mesmo sorriso, e palavras de extrema confiança perguntou para um dos garçons se aceitavam determinado cartão de crédito, como já sabia ele respondeu se desculpando que não. “Então terei que ir até meu carro, ali fora pegar a carteira..”. Pedido concebido, assim que saiu na rua virou em pernas por quadras, enquanto o tolo garçom olhava atônito, sem ter o que fazer. Com a barriga cheia e pesado, sentou a sombra de uma arvore e fumando um cigarro pensou em arranjar algum dinheiro, pois precisava dormir em algum lugar com um mínimo de conforto. Apresentou-se em uma bela casa e dois velhos de aparente extremo bom gosto o convidaram para entrar. Usou toda sua lábia dos anos que passara na rua, contou que viera do interior e procurava trabalho e moradia. Prometeu não dar trabalhos e jurou não ter passagens pela policia. Qualquer trabalho ele se acharia digno, desde que ganhasse o suficiente para viver. Mais do que isso, ganhou moradia e um bom salário. Quer dizer, era melhor do que as suas expectativas de salário. Satisfeito, começou naquela tarde a cuidar do jardim, limpar as janelas e para o outro dia, prometeu trocar as lâmpadas queimadas dos inúmeros cômodos da casa. Passou aquele dia todo, ocupado com as tarefas que não eram fáceis. Enfim a noite veio, na mesa de jantar ele e o casal idoso. As conversas burocráticas de sempre, o futuro do pais, o perigo do país, as crises.. problemas, e mais problemas. Antony esta cansado de tantos problemas. Calou-se por alguns instantes na mesa, os dois velhos se olharam.. notaram a concentração do rapaz. Ele estava tentando lembrar-se da ultima vez que foi feliz de verdade. Achou mais fácil terminar a janta e lavar os pratos, fez isso e após um frio ‘Boa Noite’, se trancou no quarto. Uma peça que necessitava de reformas, mas nada que o impeça de desfrutar de uma noite tranqüila de sono. Uma janela ao lado da cama, um pequeno armário, uma mesa e uma cadeira, eram suas mobílias emprestadas. Na cama velhos lençóis, velhos travesseiros e a velha insônia. Achou melhor tomar o seu sonífero: Vinho! Na janela, apreciava seu bom vinho, o que fazia ele se desligar dos problemas. Sentia-se jovem outra vez, no entanto lhe pesava o corpo e doía o estomago, mas nada que se opusesse ao prazer de estar ébrio. Parado na janela, vendo a lua colocou seu lápis em ação, o resultado foi este:

Contos de fadas ao contrario

“Quem não tem lar vive em qualquer lugar

E hoje eu tenho um travesseiro

Um quarto que não posso chamar de ‘meu’

Porém é onde me encontro. A palavra é ‘Desgosto’

Quem dorme cedo,

Morre tarde e não vê

O suficiente para morrer sorrindo

Meu pijama é o vento

Meu sonífero é o vinho

E é triste quando acaba

Na janela aberta

A lua me olha

Nem toda a grana do mundo

Mudaria seu olhar

Sinto sono e tontura

Enquanto as horas correm,

Não sei se espero o sol

Ou durmo com a lua

Eu vou cavalgar

Nos campos limpos da eternidade

Mas na falta de um, queimarei no inferno

Todas as madrugadas são iguais

Os ruídos são os mesmos, e os

Personagens que não mudam ainda me fazem chorar

Faz alguns anos que eu tenho dormido sem sonhar

É muito difícil quando você se da conta que vive

Um conto de fadas ao contrario

Acostumado com o desprezo, lateja este coração

Mas a alegria do meu dia,

Foi dormir a noite inteira”

Esqueceu a janela aberta e o sol o despertou. A lembrança dos seus últimos dias não eram animadores, mas o fato de ser livre outra vez, fez com que levantasse da cama e tomasse café com os velhos. Pensava se era realmente livre, e se fosse, se indagava sobre o valor desta liberdade, que doía tanto na sua alma. Os trabalhos começaram cedo, e foram talvez, mais pesados que os do dia anterior. Trabalhou duro durante semanas, não tinha tempo nem para pensar sobre sua liberdade. As suas mãos acusavam o excesso de esforço com calos, as pernas machucadas, o seu lençol coberto com sangue. Mas havia ganhado um bom dinheiro, e estava disposto a deixar os velhinhos na mão. Pediu um adiantamento da metade do seu salário para supostamente comprar roupas novas e enviar alguns presentes para sua família no interior. Naquela mesma tarde fugiu e nunca mais apareceu. Agora, ele tinha na mochila dinheiro suficiente para rodar a cidade. Então surgiu um sorriso no seu rosto, era a sua recompensa. Exibindo uma face mais alegre, caminhava pelo centro da cidade onde músicos, artistas circenses, mendigos e viciados disputavam espaço para pedir moedas. Com seu cigarro achou graça de isto tudo. Sentiu-se livre daquela cidade, achou que seu tempo ali já se esgotara. Havia um metrô logo a sua frente, achou interessante e lá entrou ele. Não sabia o destino mas aquietou-se em um banco ao lado da janela. Entraram velhas, trabalhadores, jovens e estudantes. Todos presos na rotina. Fim da linha. Desembarcou noutra cidade estranha, esta com um aspecto bem mais convidativo que a outro e achou-a agradável. Caminhou por horas até encontrar um lugar familiar, sentou-se a beira de uma arvore e lá ficou até que uma confusão se inicia-se não muito longe dali, vendo tudo de perto achou melhor se afastar.. não queria confusão para o seu lado. Entrou numa pequena lanchonete e fez sua refeição. Desta vez pagou e ainda tomou um cafezinho, cortesia da casa, lendo o jornal. As mesmas noticias da ultima vez que leu, “Ei! Quando foi a ultima vez que li?”. O perigo era o mesmo, o caos também, então pra que se preocupar com tudo aquilo? Fumou descansado um cigarro e logo partiu, em direção ao inesperado. Seu coração estava aflito. Começava a se sentir frustrado. E as pessoas que nunca o notavam, passaram a olhar com pena para o rapaz que andava cabisbaixo pelas ruas, com olhar perdido para os carros. Sentia-se tão destoado daquilo tudo, talvez toda liberdade fosse pouco para ele. Ou toda dor que ele sentia, fosse demais. Insuportável, era a palavra. Mas logo trocou de pensamento. Deparou-se de frente com uma antiga estação de trem. Era lindo o lugar, porém mal cuidado e desabitado. Foi andando lentamente, ele não seguia horários, tinha talvez a vida toda para explorar o local. E andando foi por sobre os trilhos esquecidos. Vagões abandonados, uns com resquícios de trabalho, outros completamente vazios. Achou sua estadia naquela noite, e talvez nas outras que viessem, e se viessem. A noite veio e fazia um calor, ficou a beira dos trilhos imaginando aquelas maquinas em ação. Sua imaginação foi o levando aos lugares que mais gostava de ir, onde conhecia todas as pessoas do mundo, onde era feliz de verdade, tinha um cavalo branco e percorria milhares de campos montado em seu alazão. Imaginou mais uma vez a sua infância. Revisitou as invenções da sua infância, em poucos minutos não estava mais sobre a lata esquecida de um vagão que cheirava mal. Podia até sentir o cheiro das flores que seu alazão pisava enquanto cavalgava, rumo ao sol. Entrava sempre dentro dele a cada por do sol, e na Cidade Dourada ele ficava até o próximo nascer do sol. Era a viagem mais excitante que ele fazia. E nem foi preciso a caneta, ele simplesmente se pos a dizer:

Cidade Dourada

“O rio em que os peixes voam

É o melhor para se descansar

Arvores na volta

O cheiro da beleza das cores

Este som,

Comigo na sombra,

Bem-vindo,

Aos meus ouvidos

Eu me sinto forte

Brilhante, honesto

Como a criança que meus pais educaram

Como a criança que não virou homem

Só por medo

Só,

Solidão

Sem amigos,

A vida é uma eterna tortura

Mas na Cidade Dourada

As coisas vão tão bem,

Todos me amam

Sabem meu nome

Odeio quando fico a sós

Com minha solidão

Ela me acerta o peito em cheio

Não posso reagir

Contra uma força dessas

É o anjo devasso

O pecado capital,

Mas eu só queria um lar

Amor, comida, calor

Eu entro no pôr-do-sol

Só saio no nascer

Da nova era

A solidão machuca

A solidão machuca

...

O som das sirenes chegando fez ele voltar a realidade. E sem entender, a viatura o carrega com violência até a delegacia. O acusam de invasão de propriedade privada. Ele não sabe como se defender, diz apenas que estava procurando um algum lugar para descansar. Volta o velho conceito da policia. Ele pensa na dor que sente dentro de si. Lembra-se de que nada vale as suas palavras e vai dormir em uma cela fria e esquecida por deus. O seu deus, não o dele. E para um desconhecido é bom estar num quarto, mesmo que seja obrigado. Ali tinha onde dormir, uma cama pequena. Teria que disputar lugar com o nada, e com a ansiedade. Foi fácil. Aquela noite nem começara e ele já estava angustiado. Medo. Aqueles policiais sorrindo o sorriso satírico do triunfo. Seu fracasso. Pensou que o dia corria lá fora da mesma maneira, com ele ou sem ele. Não queria ser insignificante, muito menos apodrecer ali dentro. Iria fugir, não é difícil. Ou é? Aquela delegacia pequena, típica das cidades pobres, não oferecia risco algum a sua inteligência obtida nas ruas. Bastava esperar uma brecha. Mas e se ela não viesse? Tratou de pensar em algo para criar uma.. Esperou uma, duas horas. Até que o sono veio. E ele dormiu triste num lugar mais triste ainda. Acordou de um salto no meio da madrugada. Ouviu latido de cães, vozes ao longe, sirenes. Algo estava acontecendo, ele preso não podia verificar. Continuou fingindo que estava dormindo, algum policial passou na cela para verificar e logo saiu correndo. Sentiu que estava sozinho na delegacia. O barulho aumentava e ele já estava ficando tenso. Ergueu os pés para enxergar por uma janela mínima, onde apenas passava o ar, muito apertado, diga-se de passagem. Mas não viu nada esclarecedor, sirenes ao longe, gritos, pessoas correndo de um lado para o outro. Uma confusão, era o que entendia daquilo tudo. E os barulhos foram se aproximando, até entrar na delegacia. Um bando de policiais trazendo as forças três homens, de aparência péssima. A socos e pontapés empurravam os homens, e muitos gritos de palavras inexpressivas eram ouvidos. Ficou atento, surgira sua chance. E realmente, foi esperto, pois no momento em que abriu-se a porta para colocar os homens um deles fez um favor tremendo, empurrou o policial que caiu sentado, os outros foram ajudá-lo e Antony desparou numa corrida ofegante rumo a porta. Instala-se o caos na delegacia. Os outros homens sentem que é a hora de sair correndo, e os policiais ficam atrapalhados não sabendo quem conter. Antony dispara e pouco importa o que acontecerá com os outros caras, esta livre. Mas logo vê as sirenes atrás dele. Precisa se esconder, precisa ser mais esperto que eles. Percebe então a desvantagem, quando não sabe para onde correr: Ele não conhece a cidade. Em poucos segundos vê um terreno vazio, vai até lá e deste, pula para outro que dá de frente para um esgoto. Lugar perfeito para um fora-da-lei. E deitado sobre a sujeira obscena, faz seu leito e descansa, como uma criança. Ainda sobra tempo para dar algumas risadas, dos acontecimentos daquela noite, mas esta sem sua mochila, sem seu dinheiro. Esta sem nada, apenas as lagrimas e a velha tristeza. Sua mente traz lembranças tristes, ele não pensa mais em como sobreviver. O próximo dia parece tão distante e ameaçador para Antony. Lembra de quando os heróis sempre venciam no final. Esqueceu o som dos televisores. As cores das revistas. “Alguém escuta quando se chora num esgoto?”. Talvez essa tenha sido a pergunta mais sincera que ele já fizera. Pensou nas outras, realmente. E seu corpo tentava adormecer frio naquele inferno, ele lutava. Tinha medo do que poderia acontecer enquanto dormia. Notou que já sentia medo do próprio sono. As suas fraquezas estavam mais forte que ele, e nada poderia mudar isto. Era como estar à beira do abismo, e só enxergar ouro lá em baixo. Era frio e desanimador, como ouro. O controle de si mesmo é algo que nunca se tem quando não se conhece a si mesmo. É só medo e repressão. Auto-repressão. A pior dor é a da existência, quando se percebe que sua vida pode representar a falta dela. Como era triste a sua vida, como era confusa sua cabeça. Ainda gostava de olhar a lua, como fazia quando criança. Lembrou que ela continuava com o mesmo brilho, ele não. A lua não lutava contra ninguém, apenas vivia no seu intimo. Sabia que não existia tristeza na lua. Queria ser famoso e amado como ela, enchia seus olhos de lagrimas quando imaginava isto. A única felicidade que sentiu, foi a da imaginação. Embriaguez foi o seu mal. Toda sua vida revisada em poucos minutos, e uma decisão tão séria para tomar. Se dava ou não continuidade a ‘isto’ . Tentou ser firme, tentou. Respirou fundo aquele ar podre, e seus pulmões recusaram aquele enxofre todo. Seu estomago se negou a fazer parte dele, e vomitou suas ultimas refeições. Não gostava de vomitar. A vida se extinguia, como a noite. Passou a mão pelo rosto, ao redor do corpo. Se abraçou. Tristemente tocou seu corpo todo, e no bolso de trás da calça seu fiel filtro de tristezas, Anotou nele:

"A quem não teve mãe

A quem dói ver o próprio rosto

A quem sempre me enganou

A quem nunca foi fiel comigo

A quem sabe o que é dor de verdade

Minhas ultimas palavras, em delírio

Quando a minha vida escorreu das minhas mãos,

Feito uma gota triste na janela,

Eu tentei lutar, tentei até ser forte

Mesmo na falta de incentivo

Mesmo no escuro de uma vida

Eu sempre tentei olhar pra cima

Mas como a gota, eu fui ao chão

Nunca tive a mesma glória dela,

Sair de uma nuvem, estar próximo ao céu,

Voar rapidamente o vôo da liberdade

Liberdade completa.

Nunca tive.

Nunca fui, nunca tive.

Palavras que sempre me acompanhavam

Quando o barulho de um corpo frio tocar o chão,

Irão me ver, irão saber quem sou.

O próximo morto a ser enterrado sem cortejo.

E não é com ódio que escrevo isto,

Não é com maldade, ou outro sentimento,

É apenas tristeza e sofrimento

As minhas doenças,

Obrigada por nunca me entender.

Nunca, novamente.

Deixarei o meu silencio com vocês,

Me cubram com meu nada

Ser a linha em branco,

De um livro sem parágrafos

A história torta da vida,

O brilho triste do oceano

Eu vim pra ser esquecido,

Sem nunca ser lembrado

Só se esquece o que conhece,

O que dizer de mim?

O que fazer comigo?

Por favor me salve,

Estou com a arma na boca,

A faca apontando para o coração,

A cabeça na forca,

A guilhotina apontada

Por favor me salve,

Eu não achava que a tristeza poderia matar

Se soubesse não teria a cultivado,

Em nobres jardins dentro de mim

Eu desapareço enquanto escrevo,

Eu não sou como a fênix,

Eu não sou nenhum escravo da solidão,

Eu vou me libertar

A ultima saída para um escravo da sua própria existência

Fechar os olhos para nunca mais abrir

Sentir o gosto de que você nunca sentiu

Preciso me glorificar de algo, desculpe,

Não perdi o sarcasmo.

Vou no ultimo vôo da (in)sanidade

Vou beijar a triste lapide sem meu nome

Procurado pela policia

E um casal de idosos

Apenas em uma semana,

Cavei a minha sepultura

Quem verá meu cadáver?

Quem lerá minhas palavras, ébrias de si mesmo?

Enfim, tristeza não se mede

Não sei se já tive amor,

Ou se já tiveram por mim

É triste pensar nisso,

É triste viver cheio de incertezas

Vou atrás da minha única certeza

Vou te abraçar no escuro

Vou morrer. Vou Encontrar a morte.

Fria, desconfiada da minha sinceridade,

Matarei ela também, se for triste como eu.

A quem não teve mãe

A quem dói ver o próprio rosto

A quem sempre me enganou

A quem nunca foi fiel comigo

A quem sabe o que é dor de verdade

Ou seja, a mim mesmo,

Minhas ultimas palavras, em delírio:

Acabou."

Deixou assim, sem nome seu escrito final no bolso sujo da calça. E se sentindo fraco levantou do esgoto. O sol já estava nascendo e ele foi lentamente até o centro da cidade. Causou horror nas pessoas que o viram, presenciou o lixo da vida, o desgaste da alma, o fim de uma pessoa. E seus olhos abertos, não enxergavam nada. Cego caminhou, caminhou, caminhou.. Sabia que ninguém iria o ajudar, na sua vida não fora assim, porque seria na sua morte? E atravessou a avenida sem olhar para os lados, como quem procura a morte fechou os olhos e ouviu as buzinas soarem junto com os freios. Seu cheiro era insuportável. Mostrou as pessoas um pouco da sua existência. Insuportável. Todos ficaram quietos olhando para ele. Um anjo inverso, chorando totalmente imundo andando pelas ruas. Aquele cheiro.. aquela dor. Mesmo sem notar, as pessoas se aglomeravam aos montes para ver seu fim. Todos quietos, observando o maldito encontrar a morte. Preferia morrer a noite pensou, mas acostumou-se com a falta de escolha e seguiu andando. Rumo ao nada, rumo a morte. Queria mesmo era gritar para que o universo sentisse a sua dor, mas achou que seu silencio doeria mais nas pessoas, e assim fez. Ainda pingava aquela água suja e escrota do esgoto, sua ultima moradia. O vomito havia marcado também a sua roupa, e moscas vinham mordiscar os restos de comidas naquele morimbundo de andar fraco e olhar cego. Tamanho foi o horror que as câmeras de tv vieram presenciar aquilo, inúmeras câmeras e filmadoras. O doente finalmente fora visto, e nem estava prestando atenção. Dizia baixinho algumas coisas que não se podia entender, talvez seja sua ultima poesia. Talvez ele soubesse disso desde o inicio. Não conseguia ouvir, ou olhar ao seu redor. Estava tomado pela sensação fria da morte. Anjos negros o acompanhavam segurando a foice, que iria ceifar a sua vida. A qualquer instante... A qualquer passo... A essa altura, já era manchete nacional, e ninguém sabia, ou fingia não saber o que fazer com ‘aquilo’ que se movia na cidade. Ainda andou mais alguns quilômetros, caiu alguns tombos e já deixava o sangue escorrer dos seus joelhos, direcionava-se para cima de um morro, mesmo sem força subia sem ajuda de nenhuma das centenas de pessoas ao seu redor. Com muito esforço, ele chegou até o topo, o topo onde a sua gota cairia. Onde encerraria suas tristezas, e derramaria sua ultima lagrima. Encontrou um jardim florido, andou lentamente até ele. O sangue pingava marcando um desenho mórbido na grama. As moscas disputavam lugar no seu corpo. Já era sua hora, e ele tombou friamente sobre muitas flores, e delas fez correr o perfume. Apodreceu pétala, por pétala com seu destino pesado e cruel. A cidade se quietou paralisada e por uns instantes até tentaram chorar. Logo o mal cheiro tocou seus narizes de um modo que nenhum outro jamais tocara e do bolso do maldito morto, voou um pedaço de papel. A ultima poesia estava indo com o vento, para um lugar distante ou para o céu. Ou foi ao infinito ou as mãos de um triste desavisado de sorte igual, a do nosso herói Antony.

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 07/07/2009
Código do texto: T1687185
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