Um Dia Morto

Você acorda e escuta o som da chuva que não pára. Penso por que devo ter acordado, a madrugada é tão fria e vazia que não posso caber nela.

Adorar a madrugada é como adorar cemitérios. Dela nada se retira, só se vê os epitáfios.

“Bem vive quem bem se escondeu” (Descartes)

Penso se devia ter me escondido mais dos problemas que surgiam. Minha mente poderia apagar quando minha adorada amada falava por horas sobre como sou ruim para ela.

- Você não é o último biscoito do pacote.

Pensei em dizer que ela não era realmente a única mulher do mundo decente.

Eu nem ligo pra decência, isso sufoca as pessoas como uma tortura em um saco plástico.

Justificar a maldade é justificar os medos.

Abro a janela e vejo um pequeno espaço para o sol. Ele estava no meio, ao redor de nuvens claras que ficam escuras em suas continuidades. O sol faz parte das nuvens como o céu em um todo. Em torno só há espaças nuvens carregadas de ódio e prontas para serem descarregadas de raiva. O sol adiciona a imagem mais feia que se há, o cheiro e as luzes mais sórdidas que existem. O sol sempre é a mesma merda de sempre.

Penso que tudo isso é para me dizer sobre aqueles que não vivem bem neste mundo: Tristes por natureza, condenados pelo tempo, marcados por infinitas nuvens.

Eu nunca pensei em ter maldade, mas o mundo me lapidou e me deixou frio e apático.

- Não dá para ficar com uma pessoa apática – 1 ano e 8 meses antes. Antes de ela jogar todo lixo na minha cara e esfregar o sofrimento.

- Não dá para ficar com uma pessoa desequilibrada – 1 ano e 8 meses depois. Depois de eu jogar todo lixo na cara dela e esfregar meu sofrimento.

A viver é como a morte: nunca se sabe o que vem após.

Digo que aquilo que se pensa é o pior mal. Nunca sabemos do que somos capazes nem dos nossos desejos.

- Vivo no impulso de ser incerto e não saber o que quero

- Vai a merda – Ligação número 1

- Vai se foder – Ligação número 2

- Filha da puta – Ligação número 3

- Vou ligar pra sua mãe... – Não, muito baixo. Essa foi baixa. Essa foi muito medrosa.

Ligar pra minha mãe? Na minha idade. Minha mãe me conhece dos olhos a nuca.

- Vai se foder – Obrigado mãe

Ela sabe que o filho dela ou é louco ou tem problemas psiquiátricos. Então ela nem liga. Penso que minha mãe me treinou para loucura para eu entender melhor a realidade.

Penso que meu pai me afastou da realidade para viver na loucura.

Penso que minha irmã me deu umas palmadas para eu entender a realidade.

No final, fiquei na dualidade realidade e ilusão. Hoje discuto Kant com um pé em Nietzsche.

Vivo no mundo do crer no amor e desacreditar nas pessoas.

Mas começou a chover e sol sumiu. O dia ficou assim: chuvas tristes, chuvas de ódio e sol de desespero.

Como se o sol quisesse a qualquer custo aparecer, mas o tempo hoje está para escuridão. Ao máximo as nuvens tentam tampar todos os espaços até a noite subir e madrugada entrar.

Começou a chover. Estou agarrado na janela, porque começou a chover.

A vida estava logo ali e foi embora. Então eu penso: começou a chover.

Por dias está chovendo. Posso jurar a você que estou apodrecendo.

Saí nas ruas encharcadas de uma água suja, de vias sujas, de calças sujas, tênis escorridos, paredes com um preto tão contrastante que pareciam um emaranhado de capilares podres após a morte.

A cidade estava morta.

Poucas vezes por ano ela morre e muitas vezes elas está em fúria.

Se o sol tortura e esgota, a chuva mata tudo que está ao redor. Sinto-me andando em um mar de mortos; como se estivesse pisando em todos os mortos da história da humanidade.

É um dia morto. Uma segunda, terça, quarta, seja lá qual dia for. Mas os dias estão mortos.

Eu recuso a me preocupar.

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 29/07/2009
Reeditado em 29/07/2009
Código do texto: T1725875