Ih! O velho pirou

– Gente, eu acabei de ligar pro papai e nem acreditei – disse Pamela a seus irmãos e a mãe sentados na sala, deixando todos curiosos e atentos.

– Sabe, ele fez gracinha comigo, – continuou ela – perguntando quem era eu, de onde era e depois disse que não me conhecia.

– Mas por que tanta indignação – disse um dos irmãos – isso é típico do papai!

– É, ele quis tirar um sarro contigo Pam – complementou o outro irmão.

– Eu ainda insisti, mas ele continuou se fazendo de bobo, de lerdo e disse que ia desligar. E desligou, me deixando com cara de tacho.

– Fazia quanto tempo que tu não ligavas para ele? – perguntou um dos irmãos.

– Hum, nem me lembro, acho que ... – pensou – mais de um ano, não, quase dois ... sei lá, faz um tempão, mas isso não era motivo para ele se portar dessa maneira. Parece que o velho pirou.

– Se fosse comigo – disse o outro irmão – eu nem ligava, pois também faz mais de dois anos que eu não falo com ele. Acho que todo mundo aqui nunca mais falou com ele.

– Vamos fazer o seguinte – sugeriu o outro – no domingo vai todo mundo junto visitá-lo. Ta combinado?

Todos assentiram e a conversa tomou outro rumo.

No domingo seguinte, os três filhos mais velhos foram visitar o pai.

Ao se aproximarem da casa, em uma chácara para onde ele se recolhera fazia mais de dez anos, avistaram-no sentado em uma cadeira de embalo no pátio avarandado.

Saltaram do carro e resolveram ir juntos até o velho. Ele estava sorrindo e assim continuou até eles o saudarem.

O pai continuava sorrindo, mas não esboçou nenhuma surpresa, nenhuma alegria, nenhuma emoção. Era como se estivesse recebendo três estranhos e precisasse ser gentil, deixando os filhos desconcertados.

– Ei pai tudo bem? Sua benção – falou um dos filhos.

O velho não respondeu, mas estendeu a mão que foi beijada pelo filho.

Foi então que eles notaram que algo estranho estava acontecendo, que algo não ia bem e se entreolharam.

Nesse momento surgiu do interior da casa uma outra filha, meio-irmã dos três visitantes, saudando-os educadamente, enquanto o velho se dirigiu a ela e perguntou:

– Filha, cadê a Pam, o Teo e o Quê? - apelidos de criança de Pamela, Teobaldo e Tancredo.

E eles estavam ali, mas não era a eles que ele parecia se referir. Mas quem então? Eles se perguntaram silenciosamente enquanto se entreolhavam.

Samanta, a meio-irmã dos três visitantes, pegou o braço esquerdo do pai e passou sobre seus ombros, amparando-o para se dirigirem ao interior da casa, enquanto com um meneio de cabeça convidou os três irmãos visitantes.

Ao chegarem ao quarto do velho eles viram três bonecos de tamanho real, representando uma menina e dois meninos, deitados sobre uma cama.

O velho então se agachou e afagou a cada um murmurando palavras inteligíveis. Depois se dirigiu a sua cama e deitou, enquanto a filha mais nova sentava na mesma cama e passou a segurar afavelmente uma das mãos do pai.

Sabedora que seus três irmãos visitantes estavam curiosos para saber o que se passava a meio-irmã começou a falar.

Disse que ele estava assim há quase dois anos.

Quando ele se mudou para aquela casa há dez anos, como não recebesse visitas dos três primeiros filhos, um dia ele apareceu com aqueles três bonecos, dizendo que assim seus filhos estariam sempre com ele. E comprou aquela cama para eles, roupas, e os fazia falar.

No início ele percebeu o incômodo da situação, dos trejeitos de reprovação do filho mais velho do segundo casamento, mas, ternamente pediu que não o censurassem, pois assim aqueles bonecos preencheriam a lacuna da ausência de seus três primeiros filhos. E que se um dia enlouquecesse, que não tirassem dele aquelas “crianças”. Fez os três últimos filhos prometerem que aturariam aquela criancice dele e o compreendessem, o que acabou ocorrendo.

Depois vieram os netos – o filho de Samanta, o filho de Suetônio e a filha de Clístenes, que o avô às vezes os chamava de Teo, Quê e Pam. As crianças inicialmente não entenderam, mas depois acabaram compreendendo o avô, adotando os apelidos eventuais e entravam na brincadeira, agora na loucura do velho querido. O celular não foi tirado dele e quando alguém telefona, ele diz que não conhece e não se lembra. E a pessoa acaba imaginando que o aparelho trocou de proprietário e acaba desligando e não ligando mais. E nem pense em tirar o celular dele, que ele entra em profunda depressão. Aqui e acolá quando a gente liga ele reconhece e conversa com a gente, mas é coisa rápida.

Os três filhos visitantes ouviam calados, enquanto choravam silenciosamente. O velho chegou a cochilar, depois olhava para os três filhos visitantes e sorria. Sua filha mais nova dizia que ele estava feliz e sabia quando isso ocorria porque ele apertava suas mãos. Ela disse que revezava com os dois irmãos germanos e a mãe, na companhia do pai, apesar de haver uma enfermeira que era dispensada aos domingos. Adora os netos e quando eles ou algum vem aqui é uma festa. Chama de papai ao filho mais velho do segundo casamento e de mãe a mulher que passa a maior parte do tempo com ele e que naquela manhã saíra com os netos para levá-los a um parque.

Os três visitantes foram convidados para o almoço que estaria sendo servido dali a uma hora e meia, quando todos estariam retornando, mas eles resolveram ir embora, pois não havia clima naquele dia para permanecerem mais tempo. Abraçaram-se ao pai aos prantos, enquanto o velho sorria abobalhado, olhando sem entender porque os visitantes choravam. E nem se importaria com a resposta fosse qual fosse. Apenas sorria, enquanto eles se despediam.

E quando Samanta e seu velho pai ficaram a sós se abraçaram e gargalharam longamente.

- Nós merecemos ganhar o Oscar deste ano. Nossa atuação foi irrepreensível.

Todos há muito tinham ensaiado aquela situação. E quem quer que estivesse na ocasião teria que desempenhar o papel que a filha mais nova executara como profissional de teatro.

- Ufa! Se ficassem mais tempo eu ia acabar me traindo, pois me doeu vê-los chorando. Apesar de tudo são meus filhos. Mas eles merecem. Se descobrirem a verdade e derem frutos de arrependimento a gente retoma a relação. Do contrário, eles que fiquem pra lá com os amigos e os que eles consideram como deles. E a gente fica com a gente.

Ele não queria comiseração, nem faz-de-conta, queria amor. É os três últimos filhos suplantavam no último quesito.

Os dois ainda gargalhavam quando os dois outros filhos e a mãe chegaram.

E durante o almoço daquele domingo a visita dos três primeiros foi assunto central.