A era do descartável!

Com o advento da industrialização em massa, com inúmeros produtos sendo importados e muitos servirem como descartáveis, haja vista ser comercializados por baixo valor e não ser compensável investir em consertos em casos de avarias, os serviços tradicionais tais como: alfaiates, barbeiros, sapateiros, oficinas de máquinas de costura, oficinas de consertos de eletrodomésticos, oficinas de consertos de eletrônicos rarearam.

No entanto, longe do “frisson” e do modismo que campeia nos grandes centros, há possibilidade de “voltarmos no tempo” e nos defrontarmos com tradicionais serviços outrora prestados!

Em pequenas cidades situadas, às vezes nem tão distantes de megalópoles, podemos nos deparar com prestadores de serviços “que caíram de moda” nestes centros ditos “avançados”.

Em uma incursão que fiz, por motivo de trabalho, ao Centro Oeste do estado de São Paulo, fui “agraciado” em permanecer por um tempo acima do inicialmente previsto, na cidade de Pederneiras, pela qual tive uma empatia surpreendente logo que lá aportei. Sempre vivi em grandes megalópoles, convivendo com a verdadeira loucura que isso representa.

Nem é necessário repetir sobre os buzinaços, o congestionamento, as pichações, a violência, os jogos de interesse, o desrespeito, a má qualidade de vida, a poluição, o levar vantagem em tudo, o capitalismo selvagem e vários outros adjetivos não muito qualificativos ...

Apesar da existência de Gente e gente também nestas pequenas cidades, nem sempre é necessário utilizar a lâmpada de Diógenes para encontrar um “justo”.

Consegui realizar “sonhos contidos” de vários anos, usufruindo de um ar “ainda” respirável quando em tempos distantes das queimadas de cana, de longas caminhadas por caminhos arborizados e sem os sons estridentes e freadas bruscas dos veículos, do som mavioso do cantar de pássaros, sentado em uma praça que ladeia uma catedral, de observar árvores frutíferas “carregadas” em plena via pública ...

E nestas minhas andanças, o inevitável ocorreu. Somente com um par de calçados, tive o “desprazer” de ter o solado de um dos componentes do par soltar-se, fazendo com que cada passada que realizava, meu pé esquerdo, onde havia ocorrido o “desenlace” simulasse a “boca de um jacaré” querendo abocanhar ...

Confesso que fiquei um tanto quanto constrangido com a situação e mais ainda, por não possuir soldo suficiente para adquirir um par novo de calçados que suprisse este imprevisto!

Foi quando a providência me mostrou um prédio pintado de uma cor verde água tendo um letreiro sobressaindo-se, onde despontavam os dizeres: SAPATARIA OLIVA!

Não sem um certo constrangimento, adentrei o estabelecimento e observei que no seu interior havia um certo número de calçados em uma prateleira artesanal e que em uma espécie de balcão, estrategicamente colocada próxima a uma “parede de vidro” que serve de vitrine para quem passa pela avenida, um certo número de bolas, botinas e também sapatos, completava o “visual”.

Um senhor encontrava-se sentado em uma banqueta próximo a uma mesinha e “martelava” um solado em um calçado. Mais ao fundo, um rapazinho levantou-se rapidamente e dirigiu-se até o balcão de atendimento para onde eu havia me dirigido.

A alto e bom som entoei um cumprimento e já fui explicando qual o “meu problema”!

O senhor “que martelava” interrompeu seu trabalho e levantando-se também se aproximou. De imediato ergui o meu pé que portava o meu “calçado boca de jacaré”, retirei-o e o apresentei àquele senhor!

Em uma breve análise o senhor disse que isso é muito comum de ocorrer nestes calçados industrializados que são comercializados atualmente e disse que se eu tivesse um pouco de paciência ele poderia colar e reforçar o meu solado. Disse que eu teria de aguardar por pelo menos meia hora, que seria o tempo para secagem da cola que ele utilizaria.

Brinquei, dizendo que não havia outra alternativa para mim, haja vista eu não poder continuar minha caminhada com apenas um pé de calçado. Também sorrindo, de imediato ele já puxou o solado do meu calçado, fazendo com que o restinho que ainda estava preso se soltasse. Enquanto realizava o trabalho, o senhor foi me explicando que ele havia feito isso em virtude de fazer uma colagem geral, pois assim todo o solado ficaria com uma cola nova, sem haver o perigo de em breve espaço de tempo, a parte que não havia sido “remodelada” também soltar-se e me trazer problema novamente.

Chamou-me atenção a presteza com que fui atendido e a forma de trabalhar daquele senhor. Mesmo em conversa comigo, ele continuava realizando o seu trabalho, não deixando que o bate-papo fizesse com que o trabalho sofresse solução de continuidade!

Fui “dominando a conversa”, contando que eu me encontrava na cidade a serviço e que já havia caminhado muito por várias ruas, avenidas, alamedas, praças, parques, rodovias e talvez este fosse um motivo pelo qual o solado do sapato houvesse “pedido água” ... Sorrindo ele disse que este não havia sido o motivo principal, como já havia enfatizado anteriormente. O motivo maior era da qualidade do que é produzido nos dias de hoje. A grande maioria dos produtos que são comercializados deixa muito a desejar ... São industrializados e não tem a qualidade das fabricações artesanais como eram feitas antigamente.

Nas conversas que, naturalmente, iam se sucedendo, me apresentei e soube que o senhor havia trabalhado durante muito tempo em fábrica de calçados e quando se aposentou montou o seu próprio negócio que mantinha, mesma à revelia da queda de serviços de conserto. No entanto, o Sr. Sebastião Oliva não se queixa dos trabalhos que lhe são apresentados.

Soube também que o rapazinho que inicialmente havia se apressado em dirigir-se “ao meu encontro” quando adentrei no recinto, era seu neto e atende pelo nome de Mario. Brinquei chamando-o de Marinho, ao que o mesmo retrucou dizendo que o seu nome é Mario.

Mas tudo não passou de brincadeira e rindo bastante prosseguimos com o agradável diálogo até que a “colagem” no meu calçado foi dada como finalizada. Devo salientar que após haver passado a cola e colocado uma prensa que “forçava” o solado solto contra a parte fixa do calçado, o Senhor Oliva sentou-se novamente e retomou o trabalho anterior que fazia quando cheguei.

Agradeci bastante pelo bom trabalho executado e fiz questão de deixar até um pouquinho mais do valor que me foi cobrado por julgar que o mesmo foi bem inferior àquele que eu julgava que me seria cobrado e que eu também, em minha avaliação pessoal, merecia uma cobrança maior!

Para concretizar o bom astral que encontrei naquele ambiente de trabalho, ganhei mais Amigos, sumarizando com outros que eu já havia conquistado!

Tive oportunidade e retornar em mais algumas ocasiões à SAPATARIA OLIVA e em todas elas comprovei o excelente tratamento e atendimento que é dispensado aos clientes, além da excelência do trabalho que é executado por um excelente profissional!