A Tropa de Mané Cego

Na década de cinqüenta, os meios de comunicação eram muito precários.

No interior, quase não se ouvia falar em livrarias, bibliotecas, até mesmo o rádio era privilégio de poucos.

O telégrafo era o meio de comunicação mais rápido, usado pela comunidade em caso de urgência.

O "trem de ferro" movido à combustão era o melhor meio de transporte.

Para os jovens das pequenas cidades era um lazer ir à estação

esperar o trem chegar e partir; era uma oportunidade de dar um rápido adeusinho a quem viajava do lado da janela! Quando a sineta tocava o trem partia.

Para a maioria da população o meio de transporte mais comum era

ainda o cavalo, as mulas e os jumentos.

Nessa época, morávamos em Piritiba, interior da Bahia.

Ali morava um cego por nome Manoel (Mané Cego) era o seu apelido. Tinha ele dois jumentos que usava para fazer o seu comércio de vendedor de folhetos, novos testamentos e bíblias; num ele colocava

o seu material, o outro era sua montaria. Mané cego era corajoso, fazia sozinho um trajeto relativamente longo para movimentar o seu pequeno comércio.

Nessa época, passaram lá na região, uns missionários americanos, que vendo o empenho de Mané, resolveram mandá-lo para um centro

maior, onde ele pudesse aprender "o braile". Terminado o curso,

ofereceram a ele um novo testamento escrito nessa linguagem

Eram tantos os volumes que Sr Mané precisou aumentar a frota

para carregar o precioso presente.

Mané Cego virou uma atração: Nos lugares por onde passava

o povo se juntava para ver o fenômeno, "um cego lendo!"

Assim, passou a ser também Manoel "evangelista".

Apesar de ter vivido por algum tempo num centro mais adiantado,

Isso não acrescentou em nada aos seus hábitos primitivos, sem o alicerce da educação doméstica.

Casou-se com uma bonita mulata que trabalhava como doméstica

na casa de um pessoal evangélico.

Ela não deu ouvidos aos muitos conselhos que recebeu;

Decidiu casar-se com ele e ponto final.

Nasceram-lhe quatro filhos apesar da grosseria do cego.

O filho mais velho começou bem cedo ajudando o pai nas suas jornadas pelas cidades daquela redondeza: Piritiba, Miguel Calmon, Mundo Novo...

Pensava o Sr. Mané que os evangélicos tinham obrigação de

hospedá-lo na hora que chegasse mesmo nas mais inconvenientes.

Muitos se queixavam de sua ignorância, o filho o imitava.

E assim, ano após ano, Mané e seu filho iam cumprindo sua

missão.

Ler em braile era o ponto alto do Sr. Mané; sempre juntavam

curiosos para ver o "enigma" daquele cego leitor. Ele, por sua

vez, ia "vendendo seu peixe" com a ajuda do filho, já então adolescente.

Anos depois, nos mudamos para Feira de Santana e ali tivemos notícias de que Sr. Mané estava esclerosado, mais agressivo

do que antes, dando muito trabalho à família!

Descansou finalmente o valente Mané cego.

Deixou o seu "minifúndio" para o filho que já conhecia bem do negócio.

Os outros filhos foram se arrumando na vida. Nenhum que se saiba

teve a ideia de estudar, ou fazer algo que pudesse resgatar a família.

A ignorância como se sabe, é também mãe da cegueira e consequentemente dos grandes males sociais!

zaque
Enviado por zaque em 28/09/2009
Reeditado em 19/04/2015
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