A beleza do cotidiano

Meio da semana. Retorno para a casa. O trem já não está mais tão lotado, mas tem bastante gente, sim. Todos desesperados para sentar, mas poucos conseguiram.

Quantos rostos anônimos. Quantas histórias. São 22.30hrs. Quanto cansaçao!

Um homem com perna enfaixada, de aparência nada jovem e nada agradável, beirando a demência, briga com o sono enquanto mastiga um biscoito.

Uma garota ruiva, de beleza diferente do que estamos habituados a ver (por que ninguém tem preconceito com os ruivos? Por que somente com os negros?), colocando sua blusa, pois o ar condicionado do trem está congelante, estava com uma aparência de indagação, provavelmente deveria se questionar o porquê daquele frio absurdo.

Uma outra garota, mais ao fundo, lendo a Bíblia com extrema concentração. Tomara que esteja lendo como um aprendizado e filosofia e não porque alguém disse que tinha que ler.

Um rapaz que não parava de tirar guloseimas de sua mochila. Mesmo com sono aparente ele não parava de comê-los.

Um gordo, ao canto dormia de forma espaçosa como se não houvesse mais ninguém compartilhando o mesmo banco que ele – pobre franzina – e sem se incomodar com seu tamanho exagerado.

Um jovem, com aparência de estudante, visivelmente desconcertado, por estar sentado ao lado de um homem alto, negro, forte de aparência truculenta. Nenhum dos dois fizeram movimento algum durante um bom tempo do percurso da viagem. Até que este homem grande e truculento tirou o celular do bolso e sintonizou na TV e estava passando um clássico do futebol. Os dois passaram a assistir ao jogo atentamente.

Duas mulheres conversando, em um volume realmente alto, conversando sobre o quanto a sua patroa é chata só porque descontou um de trabalho delas mesmo sem terem dado uma justificativa para a falta.

Um homem tentando ler o jornal que deveria ter lido pela manhã, correndo contra o tempo para se manter informado.

Duas outras garotas falando dos clientes que atenderam no dia, fazendo uso de todos os gerundimos que somente os operadores de telemarkenting são capacitados a utilizar.

Um rapaz devorando com os olhos as duas garotas.

Uma mulher com olhar perdido.

Um homem com olhar preocupado.

Um ambulante tanto vender o seu amendoim de procedência duvidosa.

Algumas pessoas ao celular: brigando, se declarando, fofocando, se desculpando, informando ou simplesmente escutando.

Eu somente observando tudo aquilo, toda aquela beleza que está na simplicidade das coisas e das pessoas, no dia a dia, no presente que é concreto.

Um homem ao fundo, observando o meu olhar atento a tudo quanto acontece ao meu redor.

Percebo. Tento encarar com ar de superioridade. Fico tímida. Baixo os olhos para o livro que está repousado em meu colo e volto a pensar que um dia deveria escrever sobre essa beleza toda, da qual participo todos os dias. A beleza do cotidiano.