COMENDO PRA CACHORRO

A estória que vou lhes contar,ouvi de um antigo colega de trabalho infelizmente já falecido.Morreu precocemente,ainda muito jóvem,vitimado por um trágico acidente automobilistico.

Era um sujeito calmo,bom camarada...Ao longo dos anos de nosso convívio,ouvimos,os demais colegas de escritório e eu,tantos e tantos relatos de sua vida.Alguns muito hilários,como êste que segue-se:

Mário,êsse era o seu nome,era o caçula de uma familia de dez irmãos.Moravam,êle e outros dois,em companhia de dona Marcelina,sua mãe,que ficara viuva ainda muito cêdo,e assim,com a árdua tarefa de criar e educar o grande número de integrantes da prole.Era daquelas senhoras à moda antiga;rígida,cabocla geniosa,impunha as normas e condições rigorosamente dentro de seus princípios,cabendo aos filhos tão somente acatá-los e obedece-los.Costumava ter um "arreador" sempre por perto e diante da menor das impertinências da piazada ,uma simples estalada no terreiro era o que bastava para que o binômio "Paz e ternura" voltasse a imperar.

O irmão mais velho trabalhava numa fábrica de móveis,só retornando por volta de 22 horas.Isso no tempo do lampeãozinho à querosene,era considerado dentro das temidas "horas mortas",quando todos deveriam já estar dormindo.Sobre o fogão à lenha permanecia à sua espera uma marmita com o jantar.

Numa certa noite,Mário e o outro irmão chamado Armandinho(Também ex-colega de trabalho e detentor de inúmeros episódios pitorescos a ser relatados futuramente)devidamente empanturrados,resolveram de comum acordo,dar uma "aprontadinha" ao irmão mais velho.Levantaram-se,pé ante pé,no escuro e dirigindo-se ao fogão "bateram" (termo usado por êle)a marmita que lhe esperava.Cobriram-na com a toalhinha xadrez e angelicalmente tomaram o rumo da cama.

A mãe,de sentidos aguçados,percebera os cochichos,os risinhos,tomando conhecimento da safadeza que se cometia.Usando a sua psicologia,esperou o momento certo para aplicar a punição a que os dois faziam jus.

Passava-se um pouco das 22 horas quando ao ouvir o ruído do portão que se abria os dois "anjinhos"puseram-se a fingir estar dormindo,mas bem atentos a captar a reação do outro recém-chegado.

Abre-se a porta e uma voz forte vai dizendo num tom quase desesperado:

_Ufa!...Até que enfim,"Tô atorado de fome!"...

Um certo barulho de tampas de panelas e o rapaz,furioso, começa a esbravejar.Nêste instante,dona Marcelina já sabendo o que iria acontecer,aparece na cozinha segurando o seu inseparável arreador.Dirigindo-se cândidamente ao filho mais velho vai lhe dizendo:

_Tenha calma,meu querido,logo resolvo esta situação.

Apanha uma volta de linguiça e alguns ovos e os frita,servindo logo em seguida acompanhado de pão caseiro ao fomerento rapaz.Em seguida encaminha-se ao quarto dos outros dois e ,calmamente,os convida a chegar até a cozinha.Ainda sem entender o que lhes aguardava,ambos obedeceram.Em lá chegando,lhes foi ordenado a colocação de um banco comprido ao lado da mesa.No meio deste,um tacho com a comida dos cachorros.Era um cozido que envolvia sobras de comida acrescidas de farelo de milho e cascas de batatas.

Uma leve e sutil batidinha do arreador na palma da mão esquerda os levou rapidamente a sentarem-se frente à frente,separados pelo viçoso tacho de lavagem.Duas colheres,como que vindo do além,surgiram à sua frente e apenas um olhar da velha senhora foi o suficiente para entender que teriam de ingerir a comida de cachorro.

Tentaram protestar,mas o arreador falou mais forte e,então,sem outra alternativa foram se fartando daquela coisa horrorosa.

Dona Marcelina,dizia,com voz pausada e tranquila:

_Vejam,meus filhos,voçês estavam tão famintos...Agora quanta fartura à sua disposição!...

Mário,não mais suportando,tenta a última cartada no intuito de sensibilizar a mãe:

_Desculpe,manhê...Mas isto aqui tá muito ruin.Tem gosto de nada!?...

_É mesmo?...Responde-lhe a rigorosa senhora.

_Não se preocupe que já soluciono o teu problema.

Apanha na prateleira um frasquinho de molho de pimenta e o salpica sobre o tacho dizendo-lhes:

_Dei uma melhorada no sabor,isso agora ficará uma delícia!...E quero ver o fundo da panela,não admito sobras.

O único jeito foi devorar aquela "iguaria" sentados ao lado do mano mais velho que os olhava com ares de triunfo,deliciando-se com fatias de pão recheadas de linguiça e ovos fritos.

Terminado o tacho,os dois agora quase latindo,fôra-lhes indicado o caminho do quarto.

Antes,porém,a última recomendação:

_Meninos,não se "avexem",sempre que a gula os pegar pelas pernas,não façam cerimônias...Lembrem-se de que no canto do fogão haverá sempre um belo tacho à sua espera.

_Durmam com Deus e tenham uma boa noite!...