Diário de um Psicopata

De algum lugar , 25 de agosto de 1954.

Acredito que seja a respiração. É o primeiro sinal que sentimos diferenciar. Nem é o suor que escorre de nossos rostos. Apesar que os olhos ardem com isso. Acho que é o sal. Mas acho que é uma reação natural de nervosismo. É difícil dizer se o que sinto é nervosismo ou excitação. Apesar que a excitação é uma forma extremada de nervosismo. A maioria das pessoas pensa que é prazer sexual que está envolvido. Alguns creio que até seja. Mas não o prazer 'per si'. É mais a idéia de poder. De dominação. De poder implicar a outrem seus desejos e vontades sem um real antagonismo. Ah sim, somos covardes. Filmes mostram sempre o mal como alguém que é extremamente violento, sádico e , no caso de alguém tentar ou mostrar forças contrárias, um esforço ainda maior para recuperar aquele que procura escapar. Mas não é o desejo de vingança que nos move. Não, não. Está completamente errado isto. É o medo. Medo de sermos descobertos e simplesmente, não podermos mais fazer isto. Agora sim, agora acho que consigo explicar melhor o processo. Simplesmente todas as coisas do mundo não dão o prazer que isto dá. Ponto. Esta é a grande explicação. Claro, todos nós sofremos abusos ou algo do tipo e, a válvula de escape do vulgo, que é o sexo, por mais que não seja taxado de 'convencional'. No fundo, não varia muito. É o frenesi, o impulso primitivo de perpetuação da espécie, que impele a pessoa a executar sua dança de acasalamento. Veja, não estou dizendo que isto é errado, pelo contrário, gostaria muito de fazer parte deste universo. Gostaria de me sentir realizado e extático sexualmente como qualquer pessoa. Mas infelizmente, não é o que acontece. Logo após o ato em si (ou às vezes, no próprio ato), parece que há um desdobramento de mim mesmo. Como se eu fosse uma terceira pessoa observando e até sentindo prazer, mas não um prazer absoluto, capaz de fazer o cérebro desligar-se de todas suas conexões e prestar atenção somente àquele momento. Fica mais uma sensação de entorpecimento. Veja, não há problemas com a sexualidade, na questão do gênero. Creio que a grande maioria das pessoas veja esta situação porque fica inconformada que o filme tal, ou a cena tal, ou até, se a pessoa x senta-se no seu colo e você não esboça nenhuma reação, digamos, predatória no contexto sexual é claro.

Daí chegamos ao impasse. É possível se viver nesta situação, na qual somente parte do prazer é obtida ? Bom, aqui temos outra dificuldade, como posso constatar que meu prazer não é o mesmo que as demais pessoas e, isto no fundo ser uma exigência minha ? Neste caso, só posso responder que vejo pelo exemplo dos que me seguem. Realmente não posso colocar uma prova cabal de tal situação, mas posso entender que não é completo. Porque é assim que me sinto. Antes que julguem a esquizofrenia, gostaria de dizer que , apesar de ter pouca condição de delineá-la, com certeza é um estado diferente. Veja, não disse que não há um estado, porque quando do momento, este é febril, nervoso, aliás, eu diria que deve ser até apavorante para as demais pessoas. Puxa, perco as palavras para explicar isto ! Como posso explicar uma sensação ? O mais próximo mesmo é o contexto sexual, só que encanto ali, a pessoa busca extinguir seu desejo com o ápice , na ejaculação de ambas as partes (ou mais, afinal, hoje em dia se procura o prazer de várias formas não ?) . O mesmo acontece com relação a nós. Bom, existe um parecer também. Pelo menos este é o meu caso. É o cheiro. Cheiro do medo. Ah, o medo cheira. Em momentos eu tinha raiva dele, porque eu o percebia como o meu próprio cheiro. Mas aprendi a entender. O medo é doce.

Bom acho que para o primeiro dia de um diário esta bom não ?

Ricardo Boratto
Enviado por Ricardo Boratto em 26/10/2009
Código do texto: T1888197
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