Dia de Finados!

Era finados. Passei o dia todo envolvida com vários afazeres domésticos e não me lembrei de ir ao cemitério. Normalmente nesse dia temos o costume de visitar o cemitério, levar flores e rezar pelos falecidos da família. Quando me dei pelo desaviso, já era bem tarde e então comentei:

— Nossa! Hoje é dia de finados e nós não fomos ao cemitério! Que pena!

Meu filho, Paulo Ricardo, de oito anos, logo se animou pensando ser uma ótima oportunidade para um passeio.

— Oba! é dia de finados! Mãe, por favor, vamos ao cemitério, eu quero ir.

— Não dá mais para ir ao cemitério, filho, já é tarde e logo vai escurecer.

— Ah, mãe! Vamos! Vamos!

— Não, filho, no outro ano prometo que vamos mais cedo, mas hoje não dá mais para ir.

Meu filho continuou a resmungar e eu continuei minhas tarefas. Não falamos mais no assunto e não me preocupei mais com o menino.

Já bem tarde, a noite já havia chegado e eu me dei conta de que Paulo Ricardo não estava por ali. Ele normalmente não saía para muito longe e à noite estava sempre em casa. O sol já tinha dado boa noite e, nesse momento, comecei a me preocupar seriamente com o que poderia ter acontecido ao menino. Foi quando me lembrei da nossa conversa sobre o dia de finados. Preocupada, comentei com meu esposo:

— Isidoro, você viu o Paulo Ricardo?

— Não! Faz um tempinho que não o vejo, aliás, lembro-me de ter visto vocês conversando na cozinha mais cedo.

— Meu Deus, Isidoro! será que esse menino foi sozinho lá pelas bandas do cemitério??

— Ah não! Isso não é possível, ele teria medo de ir lá sozinho.

— Pois vou verificar isso agora mesmo.

O cemitério ficava retirado da cidade cerca de um quilômetro e a via de acesso a ele era de terra ladeada de pastagens, além de ter que atravessar um riacho por uma ponte estreita e perigosa. Passei a mão no cabelo, desatei o avental e saí espavorida pensando em ganhar os rumos do cemitério.

Logo ao sair, nem bem havia ganhado a rua, vi uma bicicleta com um garoto na garupa se aproximando. Era o Divino (Divino Cavalo Doido como era conhecido) que encostava a bicicleta na calçada de casa, trazendo Paulo Ricardo. Eu fui logo interrogando o garoto, já querendo dar uma bronca daquelas.

— Menino, mas onde é que você se meteu? Sabe que horas são?

Divino Cavalo Doido explicou, na sua simplicidade de caboclo, muito apreciada por todos na cidade.

— Eu vinha chegano da roça e, passano lá pelas bandas do cimintero, eu vi o Paulo Ricardo lá dento sozin! Aí eu disci da bicicreta e fui lá vê o que que ele tava fazeno ali sozin. E eu priguntei pra ele: Uai Paulo Ricardo, quê que cê ta fazeno aqui zosin rapais? E ele me contô que tava acendeno as velas que o vento apagava, mais que num tava venceno não, por causa que acendia uma e o vento apagava a ota e aí ele tinha que vortá pra acendê tudim de novo.

Eu fiquei pasma. Virei para meu filho e perguntei:

— Paulo Ricardo, mas você não teve medo de ficar lá no cemitério sozinho?

Ele estava absolutamente tranquilo.

— Não! Por que, mamãe? Eu só estava acendendo as velinhas que o vento apagava.

— Meu filho, você não sabe que todo mundo tem medo de ir ao cemitério à noite?

Ao que ele arregalou os olhos e respondeu perguntando:

— Não!! Tem?!

— É claro que tem menino, você está é maluco.

Divino Cavalo Doido dava boas risadas do fato.

Agradeci ao rapaz e entramos em casa. Paulo Ricardo, que não tinha idéia do que era ter medo de cemitério, fez muitas perguntas e, a partir desse episódio, também ele passou a ter medo.

Obs: Fato acontecido com meu filho de 8 anos.

Maria Helena Camilo