AMORES COLATERAIS (EC)

Neidinha sempre fora do “chifre furado”... Namoradeira, não passava final de semana sem companhia. Afastava-se de um namorado somente quando já estava caindo nos braços de outro.

Leninha por sua vez tivera educação recatada. De família evangélica cumpria religiosamente os deveres, rituais e dízimos exigíveis no caminho da redenção eterna...

Luci, mãe de Neidinha, dizia à filha que ela devia mirar-se no exemplo de Leninha e namorar menos.

Não podia muito criticar a filha. Neidinha era, ao que se sabia, o primeiro fruto de inúmeros de seus diversos relacionamentos.

Já dona Zininha vivia dizendo que era graças a deus que Leninha, apesar da amizade com Neidinha, era recatada.

“É a família que é o exemplo!” dizia a quem quisesse escutar.

Principalmente se estivessem por perto os ouvidos da Luci que fora companheira do Nôzinho antes que ele se convertesse a uma Igreja Evangélica de porta de garagem e largasse a bebida e a jogatina, condições essenciais para convencer os pais da Zininha que era um novo homem e assumiria a filha que estava por nascer.

Outro argumento forte para a conversão do Nozinho foram dois irmãos de Zininha envolvidos com pessoas que não praticavam fé alguma, mas encaminhavam muitos para a vida eterna.

Luci nem ligou para a separação. Livrara-se de um problema. Boca a menos para comer... Como houve época que não era de se jogar fora, logo arrumava novo companheiro e tempos depois mais outro e mais outro.

Na verdade ela nem sabia direito quem era o pai de qual de seus filhos.

A Neidinha suspeitava-se que fosse de Nozinho, numa escapada saudosa. A menina era parecida com ele.

O destino sempre pode piorar situações...

Apesar da lenda dizer que as mães gostam de todos os filhos igualmente, Luci, na medida do possível, mantinha quase em segredo o fruto mais velho. O Toninho, consequência de um envolvimento juvenil e casual ao fim de um bailinho de periferia...

A bem da verdade, praticamente abandonara o filho após sua família chantagear, sem resultado, o jovem pai do garoto, descuidado “marinheiro de primeiras viagens”.

A família, remediada que era, assumiu o bebê... O menino cresceu com o pai e os avós. Estudou em bons colégios. Moravam em bairro de classe média.

Orientada pelas más línguas e por conta do valor da pensão que poderia receber, tentou retomar a guarda do garoto, mas o Juiz indeferiu o pedido ao ver que era quase uma “barriga de aluguel”.

Não reconheceu o filho numa foto abraçado a Neidinha e Leninha.

Quem é esse moço, perguntou para a filha?

A Neidinha disse que o conhecera na Igreja.

Desde quando você freqüenta igreja, retrucou à filha...

Desde que vi esse moço entrando nela, mãe... Foi a resposta. É namorado da Leninha...

Não vá roubar o namorado dela... Isso não se faz menina, tentou orientar Luci, recebendo a flechada: “Mãe, você é a última que pode dar esse tipo de conselho.”

Luci emudeceu...

O fato é que Toninho e Leninha estavam enamorados. Freqüentavam a mesma igreja em bairros diferentes e haviam se conhecido num desses encontros de fé, onde há muita música gospell de artistas de passado nem tanto.

Neidinha encasquetou que seduziria o rapaz e passou a freqüentar os mesmos lugares da amiga Leninha.

O moço era recatado, mas...

Ah! Convém lembrar que Neidinha não segurava vela... Estava sempre acompanhada... Evitava suspeitas do que ela queria de fato...

Teve que alterar alguns comportamentos, pois os lugares que habitualmente freqüentava como churrascadas e pagodes regados a cerveja e pinga e os bailes funks não condiziam com os locais aonde Leninha e Toninho costumavam passear.

Olhar vitrines do shopping do bairro vizinho era o máximo de atrevimento do casal quase santo.

Adão e Eva também eram santos até serem convencidos pela cobra.

Comendo pelas beiradas, Neidinha, que não dava paz ao casal, convenceu seu namorado do dia a dar uma “carona” para Toninho.

Ele bem que tentou se desvencilhar, mas foi “empurrado” pela própria Leninha, que o lembrou da demora do ônibus...

Presa à vista, à ação...

Neidinha sugeriu desviarem o caminho para um barzinho...

Só um minutinho...

Ou os suficientes para mexer com os hormônios do rapaz.

Um palmo de pano era vestido longo no ambiente.

No sábado seguinte a carona foi mais fácil. No sangue do Toninho corria o mesmo gene de Neidinha... O mesmo carvão... Faltava a fagulha.

Nesse dia Neidinha brigou com o namorado e fez cena típica de mulher infeliz... Chorou, buscando consolo em quem?

Toninho acompanhou-a até em casa.

Isso depois das quatro da manhã, quando os ônibus voltaram a circular...

A lenda não conta sobre o que fizeram na madrugada.

Com cara de noite mal dormida, chegou atrasado ao culto.

Nem foi buscar Leninha, como era praxe.

Inventa uma mentira, pois como explicar que passara a madrugada com Neidinha?

Tridente armado, esconde o rabo o diabo.

Neidinha enfeitiçara!

Coração de Toninho balançando entre a pudica e metódica Leninha e a interessante e fogosa Neidinha.

Toninho mudava, aos poucos, o comportamento até oferecer-se para acompanhar Neidinha nas vezes em que ela aparecia, de surpresa e só.

Leninha se incomodava, mas não reclamava da aparência de noites indormidas e o ar de felicidade do namorado nos cultos de domingo.

Nessa lenga-lenga, a situação dos três parecia tomar ares de normalidade até que Neidinha revelou sua gravidez.

Primeiro para a mãe.

Ao menos sabe de quem é, flechou Luci?

O silêncio substituiu a resposta, que qualquer que fosse seria incerta, pois apesar do coração caído pelo amor “incestuoso” ao Toninho, o corpo continuava em ações efêmeras com namorados de um dia.

Num encontro, realmente ocasional no shopping onde olhava lojas de bebês, revelou seu estado “interessante” para Leninha e Toninho.

Entreolharam-se e sombras nublaram os olhares no domingo ensolarado.

Toninho encolheu-se rubro de dúvidas.

Leninha sentiu o pecado da ira e gelou, lívida.

Nenhum dos dois a parabenizou, desejou felicidades, nem se atreveu a perguntar quem era o pai.

Neidinha sorriu, piscou veladamente para Toninho e seguiu seu rumo.

O amistoso triângulo estremeceu e soltou todos seus vértices.

Toninho passou a evitar Neidinha, mesmo depois do aborto natural no quinto mês.

Cientistas afirmam que a natureza é seletiva. Fetos de meio-irmãos podem nascer com deficiências.

O namoro ainda sobreviveu alguns meses até que o amor de Leninha sucumbiu à dúvida.

Toninho abandonou os cultos e encantou-se diversas vezes por diversas moças de coxas grossas, sem qualquer parentesco.

Nozinho morreu do coração, mas Luci não se interessou em saber se ele era o pai de Neidinha.

Nenhuma herança a disputar e restaria o prazer de deixar Zininha na dúvida da remissão do companheiro de ambas.

A “ranzinza” a impediu de entrar no velório.

A ciência garante que exames de DNA não causam efeitos colaterais.

Já a falta dele pode causar irreparáveis seqüelas.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo - Efeitos Colaterais.

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Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 18/01/2010
Reeditado em 18/01/2010
Código do texto: T2036923
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