Magnólia

O ar estava empregnado de um perfume suave que emanava das flores brancas. Acabara de recebê-las com um cartão de madeira e as colocara num vaso com água. No cartão, apenas uma frase: “Para a mulher dos meus sonhos”. Estava assinado pelo grande e famoso escritor Mário Antubes. O homem mais romântico que surgira em sua vida. Araripes lembrou do primeiro beijo, roubado da janela de seu quarto pelo audacioso José Floresvaldo, que carregava na mão também uma linda flor branca. Florisval morava em frente a sua casa. O menino a disputou no punho com todos os outros meninos da rua e também da escola. Todos os dias apareciam novos pretendentes e José Floresvaldo desafiava a todos e sempre saía vencedor, Ah, a primeira paixão, logo aos nove anos de idade. Nada era mais doce e prazeroso que aquele primeiro beijo, entre muitos que o Zezinho conseguiu rouba-lhe antes de perder as duas pernas na linha do trem. Tão corajoso que era, enfrentou a Maria Fumaça o quanto pode para defender sua amada num novo desafio dos colegas, mas os pés ficaram presos no trilho antes de poder se safar. Pobre Zezinho. Ela foi levar-lhe flores muitas vezes. Até não sobrar mais nenhuma do jardim da sua casa. Presenteou seu herói com muitos beijos na face. Prometera amá-lo eternamente. Mas depois que viu pela primeira vez os tocos de pernas que sobraram do menino, Araripes nunca mais teve coragem de voltar à casa de José Floresvaldo. Os amigos do menino também logo o abandonaram, pois ele não podia correr, pular, brincar ou brigar, jamais seria novamen te o mais corajoso de todos. A família do menino logo se mudou do bairro e ela nunca mais ouviu falar do seu grande herói paraplégico. A menina fantasiou muitas e muitas vezes que Zezinho ainda tinha as pernas e namoravam. Ele seria um empresário rico e o prefeito da cidade e ela a sua esposa, a primeira dama. Porém, algum tempo depois, aparece João Tigre, o gatinho acediado por todas as meninas da escola. Mas João Tigre escolheu a ela dentre todas, para ser a sua namorada. João Tigre, no entanto, não era como o corajoso José Floresvaldo. Apanhava todas as vezes que um novo pretendente de Araripes o desafiava. Descobriu depois que o apelido de João era por causa do bichinho de pelúcia do qual não se separava. Depois de João apareceram milhares de pretendentes e ela ficava sempre com o mais corajoso ou o mais inteligente. Preferia os corajosos aos inteligentes, embora estes eram os mais românticos, não eram os que beijavam melhor. Já na adolescência, gostava dos garotos altos e fortes. Gostava da pegada firme e dos beijos sufocantes. Mais tarde adorava o sexo selvagem. Perdeu a conta de tantos namorados que tivera. Aos vinte e um anos casou-se com um homem lindo como uma escultura grega e empresário muito rico. Aos vinte e três flagrou o marido com outro homem na própria cama. Após o divórcio, apesar de ficar bem financeiramente, era infeliz com todos os namorados que apareciam. Só voltou a ter um orgasmo novamente quando conheceu Alberto. Ainda que pobre e caminhoneiro, casou-se com ele. As poucas vezes que o via durante o mês, Alberto estava sempre bêbado e a espancava até sangra, antes do sexo selvagem e rápido, como a cobertura de uma vaca por um touro de raça. Mesmo apanhando e tendo o prazer sempre interrompido repentinamente, ela ainda ficou com Alberto por cinco anos. Cançou-se um dia e separou-se mesmo sob as ameaças de morte do ex-marido. Dos trinta aos quarenta anos, prometeu a si mesma que jamais se casaria novamente e viveria uma eterna vida de solteira. Saia para as baladas todos os dias e sempre acordava na casa de algum estranho, sem lembrar o que havia acontecido na noite anterior. Aos quarenta e três anos, desgostosa com a vida vazia que levava, sem carinho nem amor, parou de sair e viciou-se nos chats da internet, vivendo centenas de romances virtuais ao mesmo tempo. Sem sair do campo virtual, das masturbações e ilusões, continuava se sentindo infeliz. Um dia, porém, comprou e leu um livro do romancista Mário Antubes e se identificou no mesmo momento com o autor. Sensível e inteligente. Leu todos os livros de Mário. Era como se todos os livros tivessem sido escritos para ela. Fantasiava romances fantásticos com o escritor. Desejando vivenciar essas fantasias, procurou descobrir uma forma de entrar em contato com Mário Antubes.

Finalmente a editora passou o email do romancista. Escreveu apaixonadamente centenas de emails, até que um dia o romancista passou a responder todos os seguintes. Loucamente apaixonados, marcaram para esta noite o primeiro encontro. As flores brancas foi um toque especial de romantismo. Araripes adorou. Adorou tanto que o perfume das flores lembrou do primeiro beijo roubado que recebeu de Floresvaldo.

À noite, às 9h em ponto, um carro preto parou em frente à casa de Araripes. O motorista toca a campanhia e mulher atende. Era um motorista particular que Mário havia mandado para buscá-la e levá-la até o restaurante francês, na rua Lamartine com a Afonso Camargo. Era o melhor restaurante da cidade. Se não fosse o melhor, sem dúvida era o mais caro. Ao chegar, o porteiro a acompanhou até a entrada, de onde ela pode avistar o escritor sentado à uma mesa, com magnólias num vaso de cristal. Ela se aproxima da mesa e o escritor se levanta, cumprimenta-a e puxa-lhe a cadeira, num ato de cavalherismo. Sentado novamente à mesa, Mário levanta uma das mão e chama o garçon, a quem pede uma champagne 1969, da qual ela não se lembra do nome pronunciado. O romancista era muito mais lindo pessoalmente do que nas fotos que apareciam nas capas dos livros que escrevera. O olhar era enternecedor ao mesmo tempo que sedutor, e Araripes teve a sensação de conhecê-lo já por toda a sua vida. O homem era um gentleman e a encantou durante toda a noite. Após o jantar e muita conversa agradável, Mário Antubes surpreende Araripes com uma confissão.

- Na verdade, meu nome não é Mario Antubes, você sabe não é? É apenas um pseudônimo.

Apesar de compreensível, até mesmo natural a confissão, Araripes ficou meio sem graça, completamente surpresa. Talvez por ter fantasiado tantas vezes com o nome de Mário Antubes, que é como se sofresse agora uma decepção.

- Percebo que você ficou um pouco frustrada – acrescenta o escritor sorrindo.

Ela se desculpou, mas achava natural que seu nome fosse um pseudônimo. Sim, mas qual era então o verdadeiro nome?

O escritor sorri novamente e sussurra o nome como um segredo:

- José Floresvaldo. Lembra de mim?

Araripes arregala os olhos sem piscar.

José Floresvaldo recolhe o sorriso e espera Araripes esboçar alguma coisa. Mas a mulher permanece com os olhos estatelados sem piscar. Ele toca a sua mão na mão dela que está sobre a mesa e a sente fria como a de um defunto.

- Você está bem? – pergunta ele preocupado. Mas Araripes não responde. O rosto está lívido como a toalha da mesa.

Apesar de chamá-la várias vezes, Araripes não mais responde. Sofrera um derrame cerebral e entrou em coma, na qual permaneceu durante seis anos, até que os familiares conseguiram na justiça a permissão para desligar os aparelhos que a mantinham respirando.

José Floresvaldo nunca mais escreveu nehum livro.