O amante

A impotência embrutece o ignorante, pensa irritado Espedito de Oliveira, enquanto espera na fila para receber a última parcela do salário desemprego. Ao seu lado está sua mulher, grávida de oito meses e seus dois filhos, um de quatro anos e outro de três. Sara está com o olhar distante, provavelmente pensando onde estará o seu amante, o pai do filho que está esperando. Ela não sabe, mas o cara sumiu do mapa, escafedeu-se quando soube da gravidez. Espedito finge que não sabe de nada, embora não tenha conseguido evitar ter perdido o emprego, por causa da depressão que o abateu, quando soube do caso da mulher com o entregador de pizza. Coitada, está apaixonada, pensa enquanto a observa. Vai lembrar do amante todas as vezes que olhar para o filho, para o resto da vida. Será infeliz no casamento. Sentirá nojo do próprio marido quando fizerem sexo. Dói o coração vê-la desse jeito, pensa Espedito, que a ama perdidamente. Será uma mulher eternamente triste e passará cada minuto da sua existência fantasiando com o amante, o covarde que a abandonou. De repente, Sara o encara com um olhar quase assustado. Espedito fica feliz por um instante. Ela está me enxergando, pensa ele. Não se assuste e nem fique triste por se deparar com a realidade, deseja ele dizer para a esposa, mas fica em silêncio. Ela acaricia a barriga pontuda com as mãos e sorri ligeiramente, quase imperceptível. Espedito se alegrou. Um segundo de felicidade no rosto da mulher que ele adora. Não existe prazer maior para ele que este. Ela fica ainda mais linda quando sorri, pensa Espedito, lembrando das primeiras semanas que conheceu Sara. Ela sorria o tempo todo, como se ele fosse o mundo para ela. Não foram apenas nas primeiras semanas, foi sempre assim até o famigerado pedido de uma pizza calabreza para comemorar o aniversário de cinco anos de casamento. Bem feito, isso lá é forma de se comemorar cinco anos de casamento? Deveria tê-la levado para jantar fora, num restaurante fino. Ora, foi mandar uma dúzia de rosas, quando deveria ter roubado algumas margaridas do vizinho e escrito um bilhete criativo em vez de escolher o manjado Garfield. A culpa pela infelicidade de Sara era dele próprio. Mas agora não era hora para se lamentar, pensa. É preciso fazer alguma coisa para amenisar o sofrimento de Sara. Mais que isso, é preciso fazê-la voltar a sorrir. Mas como? Talvez procurar o entregador de pizza, pedir que seja gentil e continue a entregar as pizzas para Sara. Covarde, Espedito tinha nojo de covardes. Sara estava novamente distante, junto com o covarde do entregador de pizza. A impotência embrutece o ignorante, repete. Não sabia o porquê afinal pensara nessa frase, mas não se considerava um ignorante, ao contrário, era o que menos ignorava os fato. A sensação de impotência era falsa, só podia. Voltou a se animar, a se sentir mais seguro. Neste êxtase, teve uma idéia brilhante. Finalmente encontrou uma solução para fazer a sua amada voltar a sorrir. Ele se passaria pelo amante. Escreveria uma carta todos os dias como se fosse o entregador de pizzas. Criaria uma história para justificar o abandono repentino. Daria esperanças a ela de um dia ficarem juntos eternamente. Cada carta seria uma declaração de amor eterno. Mandaria flores todas as semanas. Nunca rosas. Ninguém melhor que ele para exprimir o amor por Sara. Seriam palavras sinceras. Sim, ele seria o amante da própria esposa. A idéia o excitou. Olhou carinhosamente para Sara e sorriu. Ela não percebeu. Espedito de Oliveira ficou orgulhoso de si mesmo, por se sentir capaz novamente de poder fazer a sua mulher voltar um dia a ser feliz.