TRISTE DESTINO

Dezessete e trinta e dois. Várias pessoas num ponto, esperam seus ônibus. Entre elas, um homem. Um homem comum, com os pensamentos voltados para sua vida.

Mais um cansativo dia de trabalho. A mesma rotina de sempre. Hora extra...

Agora pegaria um ônibus lotado, chegaria em casa e encontraria a mulher e seus cinco filhos sorrindo. Isso porque era dia de pagamento e ele costumava trazer doces para as crianças.

Mas nesse dia não haveria nada para seus filhos. O caçula iria sentir falta da geléia, mas entenderia.

Até quando ele ía continuar com essa vida? O tédio, o marasmo, o sofrimento. A troco do quê? Sentia que seu salário ficava cada vez menor. Um salário que era achatado pelo custo de vida, depois, só servia para pagar as contas e mal dava para sobreviver o resto do mês.

A mulher se queixando, querendo roupas novas; as crianças querendo brinquedos que viam na televisão e ele apenas prometendo. Prometendo.

Até quando?

Nesse momento chega o ônibus. Lotado, como de costume. Ele faz um esforço mas consegue entrar. Coloca a mão no bolso e sente o envelope. O envelope com seu minguado salário.

No ônibus ele se prepara para uma longa viagem. Começa pensar novamente na vida. O que aconteceria na novela, que estava nos últimos capítulos? Começa sonhar com uma vida melhor para ele e sua família. Uma casa própria, uma vida digna, um carro, seus filhos formados...

A viagem vai terminando, o ônibus vai esvaziando aos poucos e ele se prepara para descer. Mais uma vez ele coloca a mão no bolso.

Meu Deus! - pensou ele - não havia mais nada!

Ele fora roubado. Era só o que lhe faltava.

Desceu rapidamente, contendo seu desespero. Andava de um lado para o outro sem saber o que fazer. O que diria a sua mulher? Não teria coragem de dizer que fora assaltado. Sua cabeça parecia que estava explodindo. Sentou-se na guia da calçada e começou a chorar.

Entrou num bar. Não lhe restava outra coisa, senão beber. Pediu uma pinga, outra, outra e mais outra. Mas ele não tinha dinheiro. Não importava. A vida não valia mais a pena para ele.

- São quinze reais - disse-lhe o dono do bar.

- Eu não tenho dinheiro, fui roubado - respondeu ele, ainda ébrio, embora um pouco tonto.

Ninguém tinha nada com isso. As pessoas nunca se importam com os problemas dos outros. Apanhou feito um cachorro. Foi linchado até sair-lhe sangue pelo nariz. Mas ele, coitado, nada sentiu. O álcool já percorria-lhe as veias, anestesiando-lhe o corpo.

Já não pensava mais em nada. Olhava para o céu, uma linda noite. Via duas luas sobrepostas. Tudo em volta dele estava tremendo, ele ía cair. Deitou-se na calçada, fechou os olhos e tentou refletir, enquanto seu cérebro permitia.

Porquê?

Ele, um pobre homem, cheio de problemas, não podia sem mais nem menos ser roubado. Os ricos roubam dos pobres, que ainda são assaltados por aí. Um mês trabalhando, dando duro, fazendo hora extra para sobrar um dinheirinho no final de semana, e...

Desgraçados! Porque não vão roubar os ministros, deputados corruptos que existem por aí? Os empresários e banqueiros que sugam o sangue do povo?

Ele se sentia um imprestável. Não voltaria nunca mais para casa. Não voltaria mais para o seu maldito emprego. Preferia morrer na sarjeta do que... seus pensamentos começavam a ficar confusos. O álcool já estava no cérebro. Mesmo assim conseguia ter a ira, a raiva e... a angústia.

Aos poucos as idéias foram sumindo, sumindo e ele dormiu. A noite não estava fria, senão ele teria morrido. As pessoas passavam e olhavam aquele pobre homem jogado não chão - um mendigo - pensavam, talvez. Mas ninguém imaginava o sofrimento daquele homem que um dia já havia sido cheio de esperança.

A noite foi-se embora e deu lugar a um novo dia. O homem que estava deitado no chão, acordou com o sol na cara. A princípio estranhou estar ali, mas logou lembrou-se de tudo. Chorou novamente, levantou-se e ficou sem saber o que fazer.

Estava com fome, mas não tinha dinheiro.

Passou a andar, sem destino certo, pensando na mulher, pensando nos filhos. No caçula, que ficou sem a geléia...

Ele não podia ficar daquele jeito. Pensou em se matar, mas achou covardia. Ele não podia simplesmente aceitar seu odioso destino. Não iria mais subjugar-se aos valores da sociedade.

Uma mulher passou por ele. Uma aristocrata, pensou ele, cheia de jóias, pintada da cabeça aos pés. Como ele odiava essa gente. Odiava os ricos. A tal mulher, para ele, parecia que estava lhe caçoando. O sangue subiu-lhe a cabeça. Sem pensar, sem olhar para os lados, ele se aproximou da senhora e lhe puxou a bolsa.

Uma bolsa da "Louis Vuitton" de 1000 reais. Como alguém tem coragem de ter uma bolsa de 1000 reais, enquanto tanta gente passa fome? Ingadou para si.

A bolsa devia estar bem recheada. Compensaria seu sofrimento e, para a mulher, não iria fazer falta. Era o que pensava.

- Socorro! Ladrão! - gritou a mulher desesperada.

Um policial que estava por perto começou a segui-lo. Ele nem pensou em desistir. Agarrou a bolsa ao peito e passou a correr com mais vontade, como que com uma força sobrenatural nele contida.

- Pare! - alertava o policial, que ele fingia não ouvir.

- Pare ou eu atiro!

Ele continuava correndo, olhando feio para as pessoas que apareciam na sua frente e logo se afastavam. De repente, sentiu um golpe em suas costas. Fora um tiro! Passou a mão lentamente e viu a mancha de sangue.

Nem assim ele parou. Superando a dor ele continuava correndo.

Mas a dor foi ficando insuportável. Ele caiu. Tentou levantar-se mas... inútil. Olhou para a multidão que se formava em sua volta e baixou a cabeça;

Que situação ele chegava.

O homem morreu. Seu corpo coberto com jornais. Um pobre indigente. Nem ao menos documentos tinha o pobre diabo.

Numa casinha cinco crianças perguntavam pelo pai. E a mãe, chorando, tentava imaginar o que acontecera com o seu marido.

O que acontecera com o seu marido?