Os últimos raios de sol

Fábio olhava a todas que passassem a sua frente, dos pés à cabeça – parando sempre na bunda. Solteirão, gastava suas horas de sábados no bar que frequentava há nove anos. Tinha pelo banco apenas saudades – aposentara-se. Ocioso, além dos sábados, tinha, agora, outras horas e sem titubear gastava-as no bar. “Alguma mulher porventura o queria? – pensava”. Certamente que não: meia idade, sem atrativos físicos, barriga crescida – enfeava-o a cada dia; sentia. A herança genética também não contribuiu; a mãe mulata de rosto encardido, pernas manchadas, dentadura bamba; o pai, combalido, de rosto sulcado pelas noitadas e bebedeiras desmedidas, banguelo.

Precisava mudar seu ritmo de vida – beber todo dia; a toda hora era entediante. Mas fazer o quê? Escrever um livro? – não se julgava capaz. Recusou-se a ir ao bar naquele dia; preferiu sair às ruas, sem rumo. Andando talvez conseguisse reativar aqueles neurônios preguiçosos e pensar em alguma coisa que lhe proporcionasse uma mudança radical nos seus hábitos. Podia ainda trabalhar; tinha forças. Não queria terminar feito o pai; desgraçado, à míngua, solto a qualquer sorte - maldito.

Embora não tivesse conseguido passar de escriturário no banco, ostentava-se orgulhosamente como um ilustre bancário. “Não tive muita sorte ou não soube administrá-la – culpava-se com frequência”. Deu muita sorte em não ter sido despedido – quanta vez chegou ao banco “verde” de ressaca e, claro, não produziu nada durante o expediente. De nada resolveria arrepender-se agora - estava aposentado. Alguns colegas o alertaram à época da estupidez; estava cego – aquele cego com chances de cura; mas que as recusava.

Subitamente surge à sua frente – mais madura; menos bonita que antes:

- Satisfação em revê-lo, Fábio! Disse esboçando um riso enrugado de espanto.

- Quanto tempo Marina!

- E o que tem feito depois que se aposentou? Ela indagou.

- Sinto vergonha, Marina! – Mas pra você eu digo: nada, absolutamente nada que possa tirar algum proveito.

- Nada? Ironizou Marina.

- E você não se aposentou ainda?

- Já a requeri, Fábio! – Deixarei o banco neste mês.

Marina olhava-o como se sentisse pena daquela figura esquálida. Aliás, é certo que sentia, por ter acompanhado toda a sua trajetória no banco; as chances perdidas.

- Vamos almoçar Fábio?

Fábio animou-se: sentiu, talvez pela primeira vez, valorizado.

- Vamos sim, Marina! – Estou realmente necessitando conversar com outras pessoas; meu círculo está cansativo...

Defronte à agência na qual trabalhou, para, olha e se volta para Marina, que com um sorriso silencioso, convida-o a continuar. Entram. Assentam. Fábio faz um sinal para o garçom.

- Faça o seu pedido Marina! Galanteia.

- Tomamos uma cerveja, depois comeremos? Sugeriu Marina.

- Bebi tudo a que tinha direito, Marina! E hoje tomei uma decisão em minha vida: não beberei mais. Tenho motivos de sobra para isso.

- Entendo Fábio! Importa-se se eu tomar?

- Fique à vontade Marina. Enquanto você toma, conversaremos.

Marina aproveita o momento para analisar Fábio. Vez ou outra lhe mostra os dentes, diz alguma coisa para lhe despertar, enquanto saboreia a cerveja.

Mais tarde, comem e Marina convida-o a acompanhá-la até à sua casa. Mora sozinha – família do interior. Tão desgraçada quanto Fábio. Barracão de fundos; a proprietária, uma senhora bolachuda, olhos esbugalhados e matreiros, alcoviteira vem sempre às pressas observar a quem entra ou sai.

- O que você espera desta maldita vida, Fábio? Marina pergunta-lhe com os olhos saltando das órbitas, aparentemente enfurecida com o mundo, as pessoas.

- Não sei ao certo, Marina. Mas creio que o fato de ter-me afastado da bebida dá-me forças para procurar algum trabalho – qualquer um; vencer a ociosidade. Deixar de ser um verme, como me senti até hoje.

- Isto é suficiente para você, Fábio? Imagino que não. Você e eu apenas ocupamos lugar no espaço – não servimos para mais nada.

Marina com semblante odioso vai ao quarto, volta com uma arma engatilhada. Olha Fábio, assentado, desfere-lhe um tiro no joelho que o faz se contorcer em dores.

- Você achou que eu o convidei a vir à minha casa porque queria transar com você, ser sua amante? – Saiba que não quero nada de você nem com você; quero apenas libertá-lo dessa penúria de vida inútil.

O sol, timidamente, lançava seus últimos raios sobre a janela sem pintura.

Marina aproximou-se, encostou a arma na testa de Fábio e impiedosamente apertou o gatilho. A parede esburacada do barracão tingiu-se imediatamente de um vermelho esbranquiçado. Ao longe, quase imperceptível, Fábio ainda ouviu a voz de Marina, numa demonstração de alívio:

- A próxima será aquela bolachuda: - tenho ódio dos olhos dela...