ELA

Ela passou por mim como qualquer outra. Mas não era outra, era ela. Deu-se em um dia de semana qualquer. Tarde ensolarada, rua movimentada, eu tinha acabado de tomar um café.

A minha visão se aguçou. Uma mulher extremamente bonita, elegante, charmosa, cabelos claros e esvoaçantes. Ao adiantar-se um pouco, pude reparar, graças à luz do sol e através do seu vestido leve, em tom pastel, ousadamente transparente, seu contorno da cintura para baixo. Belíssimo.

Como não tinha compromisso nem hora para coisa nenhuma, sem maiores intenções decidi acompanhá-la, mantendo um distância suficiente para não perder de vista aquele insinuante caminhar. Enquanto a seguia, senti-me ausente por completo do ambiente em que estava, ou seja, da rua e seus transeuntes. Meus olhos e pensamentos estavam, por assim dizer, totalmente hipnotizados.

Em poucos minutos, devido à sombra causada pelos edifícios da região, para minha decepção o que era transparente deixou de sê-lo. Mesmo assim não desisti, naturalmente esperando que o sol voltasse a me proporcionar o que tinha visto no início, desde a porta da cafeteria.

Mais adiante a sorte voltou a me contemplar. Realmente, era algo fora do comum. Não posso afirmar se a temperatura do meu corpo aumentou ou não, mas tinha essa sensação. Só sei que aquele vulto obliterou-me de qualquer outro pensamento. Meus olhos estavam fixos na direção daquele vestido transparente, mais precisamente no que estava por baixo daquele vestido.

Alguns passos adiante, para meu desencanto, ela entrou em uma loja. Vi que se tratava de uma loja de cosméticos. Parei. Ainda um tanto atônito, recostei-me numa coluna da vitrine de outra loja, ao lado daquela em que ela havia entrado.

Parece que logo a seguir minha cabeça voltou a funcionar. Perguntei-me: afinal, o que é que eu vou fazer? continuar seguindo a moça para desfrutar mais um pouco do prazer de vê-la caminhar ou tentar, de alguma forma, uma abordagem direta? será que eu teria a audácia de falar com ela? e se ela fosse casada ou compromissada, já que não deu para perceber se ela estava ou não de aliança?

Também pensei: não me custaria tentar, desde que o fizesse de maneira elegante e educada. O pior que poderia acontecer seria ela declinar do convite que eu iria lhe fazer. Afinal, não deveria ser a primeira vez que ela, de tão bela, recebesse uma proposta de aproximação ou um galanteio.

Enquanto pensava, o tempo passava e a moça continuava na loja. Presumi que ela estaria escolhendo produtos de beleza e, por essa razão, deveria demorar-se um pouco. Mulheres geralmente demoram quando vão comprar alguma coisa, quanto mais produtos de beleza, dada a variedade existente e suas aplicações diversas. Mas aquela moça, ao meu ver, pensei, não precisava de produtos de beleza. Talvez de uns poucos.

De repente, vejo-a sair com uma sacola. Veio na direção oposta, passando de novo por mim. Relutei por instantes e resolvi segui-la novamente. Ainda não me havia decidido sobre o que fazer. Parece que eu estava inebriado e não dava conta do que se passava ao redor. Os olhos continuavam teimando em fixar aquele contorno esplendoroso.

Sei que atravessamos uma avenida e pegamos a quadra seguinte. Ainda atônito, estava indo para onde fosse o vestido cor de pastel. Que situação a minha. O meu desejo mesmo era aproximar-me da moça mas não encontrava uma forma de fazê-lo. Eu precisava ainda de algum tempo para me decidir.

Finalmente, a aventura terminou. Um carro preto encostou na calçada e a moça do vestido transparente abriu a porta e entrou. Mas o meu pensamento não se desviou daquilo. Fiquei pensando: será que era o marido ou o namorado quem dirigia o carro? ou poderia ser simplesmente alguém mais ousado do que eu? ele levava uma vantagem, afinal estava de carro e eu a pé. Mas esse argumento não me confortou, ao contrário, deixou-me desapontado comigo mesmo.

Não havia mais nada a fazer. Voltei à mesma cafeteria e tomei outro café. Quando cheguei em casa, ainda pensava no ocorrido. Não foi de todo mau. Pelo menos meus olhos puderem receber um colírio que não se encontra em qualquer drogaria. Foi uma pequena viagem por trás de uma paisagem encantadora, mais do que isto, uma imagem rara e perturbadora de todos os sentidos.

Augusto Canabrava
Enviado por Augusto Canabrava em 29/05/2010
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