Realeza X Coqueiros

Há muitos anos, a cidade onde moro vivia em torno da agricultura. As fazendas eram grandes e em quase todas existiam colônias de trabalhadores. Os colonos trabalhavam pesado, de sol a sol, e a única diversão no final de semana era o futebol.

Cada fazenda tinha um campo, e cada colônia tinha um time. Os jogos eram bem disputados e ninguém gostava de perder.

Os fazendeiros patrocinavam seus times, compravam uniformes, chuteiras e organizavam o campeonato anual que era realizado entre os times.

Em um desses campeonatos, os dois melhores times ficaram para a tão esperada final. O time da Fazenda Realeza contra o da Fazenda Coqueiros.

O time dos Coqueiros era formado em sua maioria por descendentes de japoneses, que trabalhavam plantando algodão. A japonesada batia um bolão e era respeitada no meio rural futebolístico.

Já o time da Fazenda Realeza era a sensação, várias vezes campeão e favorito a mais um título.

No dia da final, o campo sorteado foi o da Fazenda Realeza, e os ânimos já estavam exaltados. O campo era de terra batida, marcado com cal. Cada tombo que o jogador tomava, era pior do que queda de moto, com escoriações na certa.

Os jogadores dos times eliminados dividiram-se para as torcidas dos times finalistas e os ânimos estavam exaltados. Apostas corriam para todo lado, e as ofensas bilaterais do meio de semana intensificaram-se durante a final.

Caminhões e carretas de tratores serviam de arquibancada. Pipoca, amendoim no canudo e cachaça distraiam a torcida enquanto os times entravam em campo.

O aroma dos cigarros de palha invadia a torcida, e o clima era de festa. Aos poucos ia chegando mais gente, lotando carroças, charretes, montados em cavalos e muares. Casa cheia.

Começado o jogo, numa bobeada da defesa do Realeza, um japonês apelidado de Corote abriu placar para o time dos Coqueiros.

Os donos da casa começaram a "sentar a botina" nos japoneses, e o juiz não apitava falta de jeito nenhum.

De repente, numa disputa de bola na área dos Coqueiros, um zaguerão do Realeza apelidado de Santão fez um gol de cabeça.

O segundo tempo começou empatado, e no intervalo a torcida exagerou na pinga. O patrão, dono da Fazenda Realeza parecia um caipora velho tragando o cigarrão de palha, soltando o fumacê pelo nariz.

Num lance truncado, um jogador do Realeza passou o rodo num japonês magrinho que era o camisa 10 dos Coqueiros. Para surpresa de todo mundo, o japonesinho pegou o adversário pela camisa e aplicou um golpe de judô, arremessando o faltoso ao chão. Daí começou a confusão. Foi pontapé pra tudo quanto é lado, a torcida entrou no meio. Era cavalo disparando, paulada, tudo, menos futebol.

Até que o fazendeiro, dono da Realeza sacou um trezoitão e começou a atirar para cima, para dispersar a confusão.

Foi um corre-corre dos diabos, sendo que teve gente que deixou o chapéu e a botina para trás e correu pro meio da quiçaça.

Aquele campeonato terminou sem vencedores, e serviu para mostrar que o futebol, apesar da beleza do jogo e da integração pelo esporte, sempre carregou um pouco do espírito das arenas de degladeio.

BORGHA
Enviado por BORGHA em 01/06/2010
Código do texto: T2293254
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