A receita.

Marta sabe que o dia será longo.

Do alto dos seus sessenta e cinco anos, já viu de tudo, nada mais a surpreende. Neste dia especialmente, seus sentimentos variam entre a alegria de reunir a família, e a chateação de sempre para preparar o almoço de domingo.

Longe estão os anos em que se esmerava no preparo de pratos elaborados. Hoje será aquela galinha de sempre, prática e ao gosto de todos. Menos o Mauro, é claro. Já está vendo Mauro olhar e dizer: - Mãe, galinha de novo? Para depois soltar qualquer piada sem graça e rir até sufocar, tendo o olhar complacente dos irmãos e sobrinhos, acostumados que estão ao estilo do tio solteirão.

Com as mãos ágeis, corta a galinha (duas bandejas de filé de coxas e sobre coxas, é claro!) em pedaços, enquanto pensa que Silvia tem que mandar arrumar os dentes. Trabalha demais aquela menina!

A seguir vêm os temperos: muitas ervas, sal, alho. Pronto.

Deixa a galinha curtir os temperos enquanto prepara as saladas, pensando que Pedro bem que podia ser menos intransigente. Não sabe como sua nora agüenta o gênio difícil do filho. E os netos então... Não, vamos voltar aos trabalhos, pensa enquanto suas pernas curtas e ágeis movimentam-se pela cozinha pequena.

Aí tem outro problema que ela não engoliu até hoje. Fora praticamente obrigada a abandonar sua casa grande e confortável para viver naquele cubículo a que dão o nome de apartamento. Segurança mãe, afirmam os filhos.

Ora bolas! Ela os criara quase que sem ajuda, pois o marido falecera aos 35 anos, e agora eles queriam dirigir sua vida.

Muito bem, saladas prontas, agora vamos voltar à galinha, fala para os gatos que andam à sua volta, enroscam-se em suas pernas.

Arruma a galinha temperada na forma, mistura o requeijão e o leite batendo bem (um copo de requeijão para um copo de leite, não esquecer), e derrama por cima da galinha.

Neste ponto, seus olhos ficam marejados. Lembra de João, o marido, que acrescentara dicas interessantes à sua receita. Continuemos, pensa, hoje é dia de alegria!

Agora faltam os retoques finais, polvilha farinha de rosca, e no final queijo ralado.

Pronto, agora é só levar ao forno.

Em pouco tempo o cheiro delicioso invade as peças da casa e dos corredores do prédio.

Prepara a mesa, pensando que amanhã tem encontro com as amigas e ainda não comprou um presentinho para a aniversariante.

O arroz está quase no ponto, até que termine, corre ao banheiro para dar uma ajeitadinha no visual.

O rosto bonito que vê sorri. Dentes bonitos (são todos meus, diz sempre com orgulho) olhos brilhantes e um jeito eternamente infantil e maroto completam o seu charme maduro.

Toca a campainha. Confere rapidamente a mesa posta. E vai atender.

É domingo, e todos estão lá reunidos.

É a vida.

É a sua vida.

Jeanne Geyer
Enviado por Jeanne Geyer em 25/06/2010
Reeditado em 24/06/2018
Código do texto: T2341602
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.