O terno de Reis

A família está envolvida na matança do porco. À noite terão a chegada do Terno de Reis. As mulheres de avental, os homens com as mangas arregaçadas. Seu Nico carneia o bicho e Candinho ajuda com fervor, afinal nunca viu um terno de Reis. Morou sempre no nordeste onde a tradição açoriana não chegou. Viveu por lá escondido da família. Sempre fora um obtuso. Um fora da lei.

Dona Maria sova o pão e orienta as gurias que batem ovos para a ambrosia. Uma correria. Ainda tem de dar tempo para elas se enfeitarem. Junto com os cantadores sempre vêm alguns moços .

Candinho fora pro nordeste. Matou gente, degolou fazendeiros que lhe afrontaram. Ana cria os filhos com a cabeça baixa. Está sempre esperando a milícia, que a qualquer momento irá descobrir seu esconderijo.

― Eles chegam de madrugada, reviram a casa procurando Candinho. Nunca o encontram. Ele é rápido e astuto como uma raposa. É bom pai. Nunca briga em casa. Um ótimo marido.

Queixa-se pra cunhada Maria.

―Mas a milícia anda atrás dele. Acho que aqui não vai nos achar.

É verão, início de janeiro. Dia 05.

A mesa esta posta com o porco assado inteiro. Em sua boca uma laranja inteira para enfeitar. Algumas folhas de salsa decoram as orelhas. Azeitonas circundam os olhos do bicho, que dourado repousa dentro da gamela de madeira. O pão recém tirado do forno, coberto pela toalha branca, descansa na ponta da mesa comprida. Os talheres, os pratos, os copos, tudo está servido.

As crianças de banho tomado com os cabelos lambidos para trás não escondem a curiosidade. Nunca viram algo parecido.

Ouvem o choro do violino, e as batidas do pandeiro, e o coral de vozes masculinas:

“Estes três Reis por serem santos

Que saíram a caminhar

Procurando Jesus Cristo

Nesta casa vieram achar

Porta aberta, luz acesa

Sinal de muita alegria

Entra eu, entra meu terno

Entra toda a companhia

Meu senhor dono da casa

Licença peço outra vez

Este terno lhes visita

Festejando os Santos Reis

A porta se abre. Seu Nico sorridente cumprimenta um por um dos cantadores. Eles saúdam a dona da casa. Candinho estende o braço para o mestre, e não percebe que o contramestre leva a mão no bolso e dele tira a faca com a lâmina certeira. Puxa Candinho para fora da casa, segurando firme na sua cabeleira escura, com a outra mão desenha um colar vermelho na garganta ceifada.

O Mestre continua:

“Meu senhor dono da casa

Desculpa o sucedido

Cumprimos nosso dever

Seu irmão é um bandido”.

Almeri Souza
Enviado por Almeri Souza em 17/07/2010
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