AUSÊNCIA (3ª PARTE)

Estou aqui dentro de um ônibus lotado. Você está onde? Com certeza, curtindo a vida. Já deve ter encontrado um cara melhor que eu. Um cara mais decente, quem sabe até com mais grana! Eu errei. Gostaria de te dizer isso, mas vai querer você me ouvir?

Poderia ao menos devolver a escova que achei, mas ela estava tão suja...

Hoje é dia de promoção na loja. Corre-corre, cliente doido, gerente vermelho-tomate. Pelo menos, não vou pensar naquele imbecil... Aquele ali parece com ele, mas eu não vou pensar naquele safado! Não vou, não vou, não vou! Tenho minha vida! E que merda de música é essa? Ele gosta dessa... Não! Não vou falar dele...

Saio do trabalho. Vou esperar o ônibus. Chega uma moça de cara pintada, vestida de modo um tanto lascivo. "Tá a fim de uma, moço?". Olho com um misto de nojo e pena. Pergunto quanto é. Ela diz: é trinta. E eu: tudo bem. Ela: vem comigo. Caminhamos por uns duzentos metros, subimos uma escadaria suja, ela pega a chave com um homem de cara inchada, abre a porta de um quarto, vai logo tirando a roupa. Meio gorda, pele marcada. O que é que eu estou fazendo aqui?

Dia puxado. Saio cansada, quase nove da noite. E páro na lanchonete do Borges, peço uma tubaína e um pastel de carne. Dia lascado, pés doendo. Entra na lanchonete o Aderbal. Menino novo, parece que está a fim de mim. Senta ao meu lado. Fala do dia cansativo, fala dos clientes que encheram o saco, fala... E como é tímido o menino! E é bonito. Não muito. Aquele desgraçado é mais.

Tenho o gozo mais fuleiro de minha vida. Sem graça. Rápido. Ela se levanta rapidamente vai ao banheiro, se lava. Meio gorda, pele marcada. Profissional. O que é que eu estou fazendo aqui? Finjo cochilar. Ela: ainda tem quarenta minutos. E eu penso Deus me livre! Olho as minhas roupas. Vou ao banheiro. Ela vem junto. Profissional, segura o meu pinto, e eu digo não, vamos embora, já está bom. E ela dá um sorriso leve. Tudo bem.

Chego em casa. O Aderbal veio comigo no ônibus. Seguiu para o seu destino, e eu respirei aliviada. A solidão cresce como uma sombra fantasmagórica.

Chego em casa. A moça de cara pintada, meio gorda, pele marcada, ficou comigo na parada. Rimas involuntárias surgem na cabeça. Velhas canções. A casa cresce e eu me sinto menor que antes.