O Poder Feminino

Mais uma vez estou ao lado da cama de minha mãe, a sra. Maria Vitória, a guerreira, que carrega nos ombros, 100 anos de idade. Um ser ainda com vida, mas completamente dependente, aquela grade da cama hospitalar não é preciso ficar bem alta, pra não deixa-la cair no chão, minha mãe não consegue mais nem fazer os mínimos movimentos sequer. Sua voz soa quase inteligível, o presente pra ela às vezes é como se fosse o passado, aquela lucidez incrível, parecendo não voltar mais, que aos 98, 99 anos conseguia explicar até as coisas mais intrincadas da vida.

Suas histórias, são muitas!...

Das quais algumas já publiquei no Mural dos Escritores, consequentemente por causa daquele instante, me lembrei num dos pedaços de suas histórias, quando ainda bem lúcida me contou:

--- Sabe, meu filho, sinto que já vivi muito, não tenho medo da morte, pois minha fé muito contribui para isso, esta vida aqui é apenas uma passagem, em minhas orações eu ainda pergunto:

--- Meu Deus, porque ainda continuo aqui? Aí vem uma lembrança inesquecível, que você já escreveu na minha biografia, aliás ainda falta tanta coisa pra escrever ainda, depois da última vez que releu ela para mim, mas vou lhe contar novamente, pra definir este assunto: - nos meus 10 anos quando estava no catecismo, preparava pra minha Primeira Comunhão, nas aulas a gente sempre aprendia que o maior dos mandamentos é amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo, perdoar, perdoar!...

A Professora de catecismo dizia pra nós crianças, que estávamos sendo preparadas pela primeira vez receber Jesus em nosso coração, então foi chegando o dia da Primeira Comunhão. As meninas deveriam estar de véu e grinalda, mas eu era muito pobre, minha mãe mal conseguiu um vestidinho. Aí chegou o dia!

A igreja estava cheia de crianças eu sentei bem atrás, as meninas de um lado os meninos do outro, todos bem apresentáveis. Duas meninas sentadas na minha frente, a toda hora viravam riam e comentavam:

--- Maria Vitória está sem véu e grinalda!...

Eu sempre fui brigona, não gostava de levar desaforo pra casa (eu pensava: e eu não sei disso?...) fiquei naquela hora com raiva mesmo, há se não tivesse dentro da igreja!...

As meninas da frente iam recebendo a Hóstia Sagrada, quando foi chegando a minha vez, a raiva já tinha passado, eu fechei os olhos e fiz um pedido:

--- Meu Jesus, proteja meu pai, minha mãe, me perdoe a raiva que tive de minhas colegas, permita que eu viva muitos anos, amar todas as pessoas e também amando muito a você!

Quando eu recebi Jesus, senti uma paz, uma felicidade incrível!...

Comentei:

--- Ah, então a sra. não pode reclamar não é?... A sra. mesmo pediu pra Ele estes longos anos pela frente!

Portanto eu estava ali naquele instante a pensar: e quantos anos de luta, quantas decisões (criação de filhos, só 16 dos quais 6 já não vivem mais, dos filhos adotivos, porque era assim que definia os seus alunos de catecismo, uma imensidão, muitos são testemunhas da grande mestra e guerreira) lutas aguerridas que continuou quando meu pai falece prematuramente.

Conclusão incrível, meu Deus, o poder feminino!

Que seria de muitas guerreiras, se tivessem que calar, se tivessem que sacrificar seus ideais, se tivessem que serem relegadas a segundo plano, só por serem mulheres?...

Reforçando, não só o que seria só delas, mas sim que seria de nós?!...