Foi quando percebi que te esperava a dois anos

Anoitece em dois tempos; luz tênue divide o céu, o azul fraco se mistura com o alaranjado do horizonte. São 18h37min, no inverno aqui do sul, o sol sempre vai embora mais cedo. Acredito que Antonieta foi com ele.

...

Eu contava as horas do relógio, havia dormido por um tempo e não sabia se ainda devia ou não esperar. Era Julho de 1991, não sabia se chovia ou se era o vento balançado as folhas do arvoredo lá fora. Eu permanecia em meu casaco de lã, dentro da casa aquecida como uma enorme brasa de carvão. No fogo a chaleira já fervia e eu preparava mais um pouco de café. Sentava em frente a porta, deixava a luz da sala apagada, apenas a do quarto iluminava a pequena casa, criava um clima confortável para esperar por ela. No fim, desanimado, deixei o inverno passar e me conservei em casa, depois decidi mudar os móveis e abrir a porta para a primavera, e quem sabe junto das flores você iria chegar.

No final da primavera, o sol já aquecia meu telhado e ficar em casa era um pouco desconfortavel. Fiz a cama na varanda e espantei os mosquitos com desinfetante sanitário. Dormir olhando as estrelas trazia imagens da infancia que se misturavam com um rosto sem olhos, talvez fosse você quem os escondia. Depois quando amanhecia, eu tomava banho gelado e acordava embebido em café. Deixava sempre a porta aberta para sua chegada, mas era apenas um bafo de calor que vinha da rua e então eu era obrigado a fechar e lhe esperar pela janela. Quando terminou o verão, veio o outono e o clima ficou melhor, mas tive de juntar as folhas do quintal para não impedir sua chegada. Era uma árdua tarefa, mas sabia que você iria sujar seus pés se eu as deixasse ali.

Começei a tentar lembrar do seu rosto no início daquele inverno e me surpreendi a não recordar sequer sua voz. Não tinha mais nenhuma imagem ou lembrança sua. Pensei que o frio estivesse me fazendo mal, mas na primavera também não obtive exito. Permaneci alguns meses desconfortavel dentro de casa e já dormia todas as noites na varanda. Nessas noites, me decidi que você nunca existiu, talvez algum dia tenha a visto na rua, ou quem sabe eu a tenha sonhado. Mas na verdade, nunca conheci você, nunca ficaste de vir me visitar.

Mas para minha surpresa, num dia do alto verão, encontrei pendurada na geladeira uma fotografia de mulher. "Antonieta" dizia atrás, e por alguns instantes me confundi a respeito do que significava. De modo que passei um bom tempo analisando a foto para ver se me trazia alguma recordação aquele nome, ou aquela fotografia. Não existia nada na minha memória, não adiantava o quanto eu forçasse, ela estava vazia para a foto, ou para o nome Antonieta.

...

Por fim, estou neste inverno olhando o sol, observando a foto de Antonieta, acredito que ela venha antes da primavera. Mas os pássaros voam e pousam nas arvores, algo me crava na memória. E no bater de asas de um deles, foi quando percebi que te esperava a dois anos. Com olhos esperançosos olho para o relógio, 18h53min, a primavera chegará antes do anoitecer completo. Acredito que ela venha com a lua...

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 13/08/2010
Código do texto: T2436078
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.