Santa Mãe de Deus! Mas onde havera de existir um céu com tanto lume assim?Mas que essa gente boba daqui ainda fica inquirindo por aí, de esconderijo arranjado, que tanto eu faço com essas janelas abertas pelas madrugadas. É de rir. Da malícia deles e deles, que ficam caçando tempo pra perder com invenção. E eu que nem ligo. Nem ligo quando vejo eles, assim de esguelha, cavoucando minha cabeça que nem fazem lá no meio do mato pra ajuntar mandioca, achando que vão descobrir o que eu penso ou deixo de pensar.

Eu fico é rindo sozinha no meu canto, aquinhoando com o silêncio, as tonteiras deles. Hum, posso até atinar com os achados. Povo ignorante, que tolera amealhar a vida alheia com os capítulos dessas novelas de hoje, que se assentou no lugar da janta. Comadre Dorinha não sabe fazer outra coisa na vida. E o compadre? Se adamou com as filhas e dia de domingo, acho que nem come mais. O time de futebol do infeliz se desorganizou de jeito que ninguém mais vai pro campo, como antigamente, nos domingos depois da missa. Eu não perco tempo com isso não.

Dia desses, decidi sair por aí. De manhazinha, com a chegada da primavera, o campo fica encharcado de passarinho catando semente no meio do mato pra alimentar as crias. É muito mais bonito do que parece. Uns nadinhas de perna de graveto, vencendo o mato alto dos pastos. Eu lá, com meu fumegadorzinho de palha, acarinhando os feitos de Deus, inocente feito criança no leito de mês, quando uma pedra rolou pela ribanceira no meio do caminho. Mas não é que tinha uns barbados me vigiando? Mas, gente! – pensei alto – pois é que esses marmanjos num tem mais o que fazer não? Eu tenho a língua meio solta, num sabe? Sei falar uns nomes que até arrepia de pensar. Mas, ri. Onde já se viu, isso? Eu que ia voltar antes de almoço, fiquei pelo mato mesmo, alimentando meu coração de verde e dos barulhos dos bichos. Entrei na sapucaia e na amora pra engodar a fome e até me banhei no rio. Mas foi é bom!

Quando voltei já estava tardinha. Não dei um tico de palavra com ninguém. Verdade é que ninguém falou comigo, né? Tudo me olhando esgueirado, com a abelhudice boiando nos olhos, crentes que eu fosse explicar alguma coisa. Mas tudo acobertado, sabe? Entrei em casa, tomei meu banho, me perfumei toda e me plantei na janela.

Vi a tarde cair, como hoje. Vi a estrela Dalva nascer que nem um botão dourado no marinho do céu. Santo Deus, é que essa vida é doce que nem mel, debaixo desse acobertado negro, todo pintado! Não bastasse isso, essa lua que lumia tudo! Dormir pra quê? Já dormi muito nessa vida!

Já dormi de bunda rosa, por conta de que meu pai chegava bêbado e zangado em casa. Já dormi de medo, por causa do fogo-fátuo que acompanhou minha tia uns três quilômetros estrada afora, já dormi de cabeça cheia por conta das maledicências de gente. Já dormi com dor e de dor. Agora? Vou dormir mais é nada! Vou ficar é aqui na minha janela, quem sabe lá na varanda dos fundos do quintal, chupando essa vida que nem pirulito: numa lambida por vez...

Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 27/09/2010
Reeditado em 12/07/2011
Código do texto: T2524158
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