Ô, Dorival!

Esse pequeno texto está sendo publicado à pedidos da pequena malta de meus fãs aqui da capital paranaense. Foi escrito a uns dois ou três meses e ainda não tinha vista a luz do dia. Gostaria de dedicar essas linhas para Kléber Santos & Raphael Gorny da grandiosa banda Macedônia pela força que esses jovens idelistas e entusiastas têm me dado enquanto escrevo meus "Contos Murinos". Dedico também ao grande amigo Icaro Castilho que serviu de inspiração para cometer mais essa atrocidade. Obrigado a todos e espero que os demais leitores e seguidores gostem de ser essa pequena obra assim como eu gostei de escrevê-la e revisá-la. Esse texto deixa neste momento de ser inédito.

Curitiba, 07 de outubro de 2010.

Quem foi que falava de “festa estranha com gente esquisita”?

E lá foi o zé ruela aqui foi se meter em confusão de novo..

Não vou entrar em detalhes de como cheguei naquele apartamento duplex de cobertura num bairro nobre aqui da capital das araucárias.

Estava frio e eu aquecia a caixa numa bodega qualquer. Conhaque prá dentro. E cerveja meio gelada para rebater. Uma bagana de um “skunquizho” que um chapa apresentou. Fez mais do que deveria. Bosta! Lá estava eu no meio daquele povo “descolado” & “moderninho”. Parece que eu não aprendo. Mesmo. Quarenta anos no meio da cara e ainda fico insistindo em fazer cagada? Não é que tinha até garçom enluvado servindo uísque doze anos para a turma?

É a coisa mais esquisita que todo esse pessoal metido a alternativo é muito parecido em entre si? Todos usam as mesmas calças justas, os mesmos cortes de cabelo, as mesmas gírias, as mesmas drogas, e todos se cumprimentam com um “oi. o que tá rolando”... Eles dizem que “bebem prá caralho”. Eu chamo isso de suicídio. Bebem e transam como se não houvesse amanhã. Ou melhor, como se não quisessem que houvesse um amanhã. Só fui na onda. De graça até ônibus errado. Peguei uma dose na bandeja de prata e dei um biquinho. Como já estava meio bêbado e meio aéreo por causa da maconhinha holandesa, fiquei circulando por ali à deriva. Fui até uma das sacadas da cobertura e acendi um cigarro. Senti um dedo cutucando minhas costas. Virei devagar. Era um veadinho de seus vinte e cinco anos, com aquela franjinha preta de cortina encobrindo seu olho direito e usava uma camisa e calça apertadas.

-Pode me dar um dos seus? Perguntou.

Coloquei os dedos dentro do maço sem tirá-lo da jaqueta e como um piparote passei- lhe o cigarro.

-Tem fogo? Insistiu.

Dei o isqueiro. Ele pegou. Deu uma boa olhada no meu Zippo prateado. Abriu a tampa e fez um truquezinho qualquer com os dedos para acender o cigarro que ele tinha colocado no canto esquerdo da boca, talvez em para contrastar como efeito da franja.Vai saber. Deu duas baforadas. Não agradeceu. E foi andando. Fiquei parado ali fumando e sacando a paisagem numa noite gelada de Curitiba. Os ricos têm tudo do melhor. Inclusive a vista. A paisagem. Fumei rapidinho e joguei a bituca pela janela

Fui atrás de uísque. Queria me embebedar e já dar um jeito de cair fora o mais rápido possível. Rolava The Clash no som ambiente. Essa molecada se acha toda antenada e ainda está no Clash. Encontrei um banheiro e entrei. Tinha um reservado ali. E uma privada para mijar. Tirei o meu para fora e comecei a urinar. Escutava um ruído de foda e suspiros masculinos de prazer. Homem comendo homem. Terminei o mais rápido que pude e vazei dali depois de lavar as mãos. Mais um uísque. Uma garota vestida com uma saia curta preta e meia arrastão veio até a minha direção e disparou:

-Conheço você. Você é o Ricardo Cunha. O poeta. Não é?

-Sou ele. Respondi

-Você é um porco machista. Declarou.

- Com certeza. Concordei.

Ele veio atrás de mim fazendo um comício que eu era um machista, um maconheiro que ainda estava escrevendo como nos anos 60. Fiquei apenas ouvindo e concordando com a cabeça. Acendi outro cigarro e fiquei fumando analisando o rosto daquela menina. Nada de mais. Nem bonita nem feia. Não comeria de jeito nenhum. A não ser se ela estivesse amarrada e amordaçada com silvertape e com uma maçã na boca como a leitoa que era. Sua voz era afetada e meio estridente. Não falava coisa com coisa. Devia estar chapada de alguma coisa. Dei um jeito de enrolar uma desculpa esfarrapada e saltei de perto dela. Fui até a cozinha. Devia tem um quatro metros de comprimento e tinham – sem brincadeira nenhuma – uma vinte pessoas dividindo alguns pedaços de pizza. Peguei um para mim e foi comer num canto afastado daquela turma. Quando terminei, o garçom passou e peguei mais uma dose. Fiquei brincando com os cubos de gelo do copo por alguns minutos. Um gordo trajando um terninho espalhafatoso afofou-se do meu lado.

- Você é o Ricardo Cunha, não é mesmo?

- Sou eu mesmo. Respondi-lhe.

Ele continuou.

- Li seu conto no...Achei muito esquisito. Você realmente colocou sua namorada batendo calçada porque queria ficar em casa cuidando de cachorros e bebendo?

-Eu escrevo ficção também, sabe? Não ele não sabia.

-Quer dizer que você mente? Inquiriu.

-E quem não mente? Nesse ramo todo mundo mente, inclusive os repórteres policiais.

- Como é que você sabe?

- E quem não sabe – eu lhe disse – Ou você acha que tudo que está escrito no jornal é a mais pura e límpida verdade?

- Você fala difícil... o balofo disse.

Dei uma gargalhada. Ele se ofendeu e senti isso no ato. Logo que olhei para seus olhos. Desculpei-me e disse que eu tinha que circular pela festa e que nos veríamos depois. Pois sim. Continuei caminhando pelo apartamento e cada vez que o garçom passava por mim eu pegava mais bebida. Já tinha perdido a conta das doses. Meu forte nunca foi matemática.

Dois garotos mirrados usando as mesmas roupas justas me reconhecerem e fizeram meia dúzia de perguntas. Respondi meio seco, mas parece que eles ficaram satisfeitos e pularam fora. Continuei bebendo e creio que a esta altura minha conversa já devia ter perdido grande parte do pique e do humor. Sentei-me em outro sofá e uma coisa espetacular aconteceu.

Uma menina linda, morena, de olhos cor de mel que mudavam de tonalidade de acordo com a luz, num jeans de cintura baixa e apertadíssimo e um corpo escultural sentou-se do meu lado. Sorria com sua alva e perfeita dentição para mim. Disse seu nome (que logo esqueci) e começou a puxar conversa. Era simpática, interessante, espirituosa. Animei-me e realmente tramei um diálogo com ela. Não estava acreditando em minha sorte. Bebi minha dose e fui atrás de outra. Ela acompanhava o trago numa boa. Conversamos muito e sobre tudo. Até um pouco sobre futebol. Não tenho nada a dizer sobre futebol a não ser que um dia fui torcedor negligente do Atlético. Ela riu disso. De repente caiu a ficha. Ou na minha bebedeira achei que caiu. Era bom demais para ser verdade. Afinal, sou desconfiado por natureza. Ou melhor, o ser humano é que me deixou assim depois de anos de convivência diária. Ela falava animadamente sobre qualquer coisa quando disparei:

- Quanto você cobra?

- Como? Ele me olhou intensamente. Parecia que não tinha entendido.

- É. É isso aí. Quanto você cobra? Eu tenho uma grana e a gente pode ir num lugar...

Ela me cortou. Levantou e fez o maior escândalo que eu já tinha presenciado na minha vida. Toda a doçura e meiguice que ela tinha jogado para mim tinha se transformado numa fúria. Agora ela me insultava com palavrões que nem eu conhecia. Fiz uma saída estratégica pela esquerda e ganhei a rua antes que aquela turba moderninha e descolada me jogasse pela janela.

Foi um horror...

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 07/10/2010
Código do texto: T2543195
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