A Estrada dos Sonhos Esquecidos

Ana e Clara eram mais que irmãs, eram amigas também. Ana era um pouco mais velha, quase uma mocinha, estavam sempre juntas, iam para a escola juntas, dormiam coladinhas no chão do barraco com os irmãozinhos menores. Quando o pai e a mãe delas brigavam, infelizmente o que acontecia quase todos os dias, Ana contava belas histórias de princesas para Clara, sempre com final feliz, e Clara sonhava ser um dia uma dessas princesas.

O pai dessas meninas mal parava em casa e nas raras vezes que fazia isso estava sempre bêbado e atrás de dinheiro. A mãe saia misteriosamente todas as noites, as vezes acompanhada do pai, e só voltava na manhã seguinte, muitas vezes bêbada também. Cabia as meninas arrumar a casa, preparar as refeições e cuidar dos meninos menores.

Mas mesmo assim as duas viviam felizes, tinham uma a outra.

Um dia essa felicidade começou a desmoronar.

Ana foi acordada no meio da noite e tirada do lado da irmã pelos pais.

- Acorda menina, tá na hora de acabar com essa vida mansa e trazer dinheiro para dentro de casa.

Ela foi praticamente arrastada, sem saber para onde e por que ia.

E Clara ficou sozinha, era a primeira noite que passava realmente sozinha.

No dia seguinte Ana voltou com os pais.

- Onde você foi Ana – perguntou Clara, mas a resposta foi só silêncio.

E no silêncio ela permaneceu o dia todo, não fazia mais nada, só ficava deitada ou sozinha pelos cantos. Naquela noite foi a mesma coisa, os pais vieram busca-la novamente. Clara ouviu quando Ana chorou e disse que não queria ir, em seguida ouviu o barulho de um tapa, xingamentos e o choro sendo abafado até cessar. E Clara ficou mais uma vez sozinha e chorou o choro negado a irmã.

E os dias foram passando, Ana deixou de ir a escola, deixou de cuidar da casa e dos irmãos, estava cada vez mais calada e apagada. Por mais que Clara insistisse não conseguia arrancar nada dela.

As noites agora eram mais frias, não havia mais o calor da irmã para se aquecer, não havia mais histórias sobre princesas.

- Clara – depois de muito tempo Ana quebrou o silêncio e voltou a falar com a irmã.

- Fala Ana, pode falar tudo que você quiser.

- Clara eu vou embora daqui, não vou voltar nunca mais.

- Não Ana, não vai não... – Clara começou a chorar – o que eu fiz para você ir embora, por que você não fala mais comigo? O que eu fiz Ana?

- Não foi você, eu vou fugir por que eu arrumei um namorado, ele vai me buscar essa noite e me levar com ele. A gente vai para uma cidade bem longe daqui.

- Namorado? Como assim? E por isso que você sai toda noite? E pra encontrar com seu namorado?

- Eu vou embora Clara, mas não conta nada pro pai e pra mãe, e não deixa eles te levarem para estrada, não deixa, não deixa... – e Ana começou a chorar também.

As duas irmãs se abraçaram. Foi a ultima vez que estiveram juntas.

Naquela noite Ana partiu e nunca mais voltou.

Clara estava sozinha no mundo.

- Levanta menina preguiçosa, levanta que você não vai ter a boa vida da ingrata da sua irmã não – Clara foi despertada pela brutalidade dos pais.

- Eu não vou não! – ela gritou lembrando do que lhe disse a irmã.

- Ah vai sim – disse o pai, e como aconteceu com Ana mais uma vez se ouviu o barulho de um tapa na noite, só que agora ela era a vítima.

Não adiantava, a pobre não tinha forças para resistir, ela engoliu o choro e se resignou. Olhou uma ultima vez para os irmãos menores, todos acordados e chorando como ela chorou por Ana.

Seus pais praticamente a arrastaram por mais de uma hora. Em pouco tempo ela ouviu o barulho de carros passando ao longe, era a estrada.

O pai ficou escondido no acostamento com uma garrafa de cachaça, a mãe seguiu com a filha para a beira da estrada.

Clara estava tremula, não fazia idéia do que estavam fazendo ali, pensava na irmã o tempo todo.

Não demorou muito um caminhão parou, a porta se abriu, a mãe de Clara entrou e puxou a filha bruscamente para dentro. No acostamento o pai da menina sorriu e tomou mais um gole de bebida.

Clara olhou o rosto do motorista que sorria cinicamente para ela, um sorriso de cobiça que a assustou.

Mas não havia volta.

A porta se fechou, o caminhão arrancou.

E nesse momento o sonho de ser princesa acabou e não houve final feliz.