A Queda da Casa de Maria Gorete

Foi uma chuva repentina, com forte ventania, daquelas que o povo chama de “tromba d’água”. Por mais de meia hora o aguaceiro caiu impiedoso. Uns deram graças a Deus pela água sempre bem vinda naquela região seca, outros ficaram preocupados pelos estragos que o excesso de água de uma só vez provocava. Assim que acabou a chuva, como se tivessem combinado com antecipação, os moleques se reuniram para brincar no riacho formado pela enxurrada. Precisavam aproveitar as próximas horas, pois logo a água pararia de correr e voltaria tudo ao normal.

Ouviu-se um estrondo.

Zé Leite apareceu correndo: – Venham, venham todos! A casa de Gorete caiu! Venham logo!

Os meninos correram para o local, foram os primeiros a chegar. A casa tinha desmoronado completamente, estava só escombros. Ouviram um choro de criança, e imediatamente começaram a tirar as telhas e tijolos.

- Cuidado, não pode pisar em cima. – alertou um dos moleques.

Continuaram tirando os escombros, como um bando de formigas. Logo chegaram os vizinhos para saber do ocorrido, e o povo todo empenhou-se em tirar o entulho para achar a criança que chorava. Primeiro acharam a mãe de Gorete desmaiada e com uma perna quebrada. Retiraram-na com cautela. Depois o pai, estava desmaiado, a cabeça sangrando, mas aparentemente nenhum ferimento a mais. Mais um pouco chegaram ao irmãozinho de Gorete, um bebê, que ficara protegido pela cabeceira da cama em que estava.

Depois de muitas telhas, tijolos e pedaços de madeira retirados, acharam Gorete. A viga principal da casa havia caído sobre ela, esmagando-lhe o quadril. Sangrava muito, mas ainda estava viva. Gemia.

- Vamos tirar com cuidado, senão piora! – Um dos homens orientava os demais.

Um dos meninos deitou-se bem junto à Gorete, envolveu-lhe a cabeça cuidadosamente com o braço e beijou-lhe a testa. Ela abriu os olhos.

- Tenha paciência Gorete. O povo já está tirando as coisas de cima de você. Fique quietinha.

Depois, não parou de falar, ficou contando coisas da escola, traquinagens e tudo que lhe vinha à cabeça. Falava baixinho, como se quisesse falar só para ela. Gorete entre os gemidos, de vez em quando esboçava um sorriso. Um outro menino ajoelhou-se do outro lado, e cuidadosamente limpou o rosto de Gorete com as mãos. Em seguida voltou a ajudar a retirada dos escombros.

Gorete gemia, às vezes sorria, enquanto o menino continuava a falar coisas. O serviço continuava com pressa e cuidado. Gorete gemeu mais forte, olhou para o menino e falou:

- Acho que Deus mandou um anjo me buscar. Ele está pertinho de mim.

O menino aproximou seu rosto ao dela.

- Então pode ir. Não tenha medo.

Gorete abriu um sorriso pálido. Depois fechou os olhos, serenou o semblante e morreu.

O menino ficou ali, abraçado a ela até que conseguiram retirar a viga de cima do corpo. Depois levantou-se e foi embora. Todos os outros meninos o acompanharam. No dia seguinte, no enterro de Gorete nenhum deles foi visto. Somente três dias depois começaram a aparecer, mas demorou para que novamente brincassem despreocupados pelas ruas.