Amor Vs Preconceito

Atrás da longa cortina, o bandido que não teve tempo de fujir quando os proprietários retornaram para a casa, escuta uma discussão acalorada:

---- Não quero você com esse tipo de gente!

---- Pai, eu não acredito que em pleno século vinte e um você vai jugar ela pela cor da pele!

---- Não é a cor da pele! É só que eu conheço esse tipinho maldito, isso não vai dar certo e você sabe disso!

---- Claro que não vai dar certo! Se você mantiver essa postura cheia de preconceito!

---- Preconceito? Você está me chamando de racista filho? Logo eu? - A mão cheia de ira do pai levanta-se para esbofetear o filho.

---- Pode bater seu velho racista! O que é que você sabe sobre ela? Não chegou nem a cumprimentá-la direito e já fugiu cheio de conclusões baseadas em seus estereótipos ridículos! Bata! Mas me diga qual é o problema com ela, além de nascer com uma cor diferente da nossa o que ela fez para você? Aonde ela errou?

O pai não conseguia responder a pergunta, logo, não conseguia esbofetear o filho. O Ladrão escondido atrás da cortina, gostaria de espiar os dois, mas, seus joelhos tremiam de medo de ser visto. Faltavam apenas alguns segundos para que o processo mental, em execução na mente do pai eliminasse uma vida cheia de ódio baseado em ignorância, porém a campainha tocou antes disto.

---- Acho que é ela! - Diz o filho.

---- Por favor filho, mande-a embora, na minha casa não.

---- Vou deixá-la entrar sim. E vocês vão conversar!

O bandido juntou coragem para colocar o olho em uma pequena fresta e pode ver a moça entrando na casa. Rapidamente escondeu-se, sem poder acreditar no que aquelas pessoas estavam fazendo.

---- Senhor, com todo o respeito, não entendi por que fui tratada daquela maneira, talvez eu não mereça seu filho, mas acho que mereço pelo menos uma explicação! - Diz a moça controlando heroicamente a própria raiva.

---- Além de tudo ainda é teimosa!

---- De tudo o que? - Pergunta a moça, já perdendo a capacidade de manter-se calma – O que o senhor acha que eu fiz?

---- Mocinha, você sabe o que é ser uma pessoa excluída? Sem razão nenhuma?

---- Sei, o senhor está me ensinando. - Antes que a moça pudesse dizer tudo o que pensava reparou no olhar de seu namorado, que praticamente implorava para que ela não dissesse o que seu pai merecia ouvir.

---- Temos lutado a séculos para sermos tratados com igualdade e respeito, temos lutado pelo nosso direito de ser o que somos e nos orgulhar disso! Tudo o que consegui na minha vida, foi com grande luta e sacrifício. Para ter o respeito que uma pessoa qualquer tinha, eu precisei ser duas vezes melhor do que uma pessoa normal! - O velho homem trazia à tona suas piores experiencias, como se a dor do passado pudesse aliviar a dor do presente. - Agora chega você, com essa cara de puta, que nunca precisou se esforçar na vida e quer entrar em minha casa, quer fazer meu filho acreditar que as mulheres negras não são boas o suficiente para ele, em breve terei que aceitar piadas sobre negros na minha própria casa!

---- Calma ai! - exclama a moça – Então eu sou uma puta que não serve para o seu filho! Sou uma puta por que sou loira? Sou uma puta por que sou branca? Já nasci puta por que nasci branca? É isso? Não posso gostar se de seu filho por que sou branca demais pra você?

---- Isso mesmo! É branca demais! É obvio que você é cheia de preconceitos para com a minha gente, na hora que me viu no restaurante já me olhou diferente! Só está com meu filho por que ele tem boa condição social! Se ele fosse um pobretão, você não estaria aqui fazendo essa ceninha ridícula da putinha que não é racista dentro de um carrão!

---- Você está sendo ridículo pai! - Fala o filho defendendo seu amor – Todo esse discurso de lutar por igualdade e respeito e você não sente igual, você não respeita! Acha que somos melhores do que ela? Do que a família dela? A um mês atras você estava orgulhoso por que recusei entrar na faculdade por uma cota baseada em nossa raça! Orgulhoso por que pude estudar e entrar como qualquer pessoa capaz de entrar em uma faculdade pelo próprio mérito, para bater em meu peito com orgulho de dizer que não tenho nenhuma deficiência para precisar de tratamento especial! - agora o filho quase pulava no pescoço do pai – Então eu conheço a mulher da minha vida, e você a recusa por causa de racismo, uma racismo que ela nem tem!

---- Não tem? - Pergunta o pai – Olha o ódio no olhar dela para mim! Veja por você mesmo!

---- Como você quer que eu te olhe? Você me ofende, me expulsa, me machuca e quer que eu te perdoe você por que você é negro? - Responde a moça com razão de estar indignada.

---- Não quero seu perdão! Não quero nada de você!

---- Quer saber pai? Chega! Vou embora desta casa! Tenho meu trabalho e vou viver minha vida! Daqui a alguns anos trago uma foto de seus netos para você conhecer, mas, não deixarei que eles te conheçam para que não se contaminem com essa sua doença mental que faz odiar sem razão!

---- Você não vai não! Essa puta é que vai! Com um telefonema eu tiro o teu emprego, tiro tua faculdade e você vai aprender quem manda aqui!

---- Pois tire! - grita o filho.

---- Não! - A moça tremia – Eu vou embora. Eu só quis lhe fazer feliz, se eu imaginasse que acabaria nisso não teria nem começado. Einstein já falou que é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito.

---- É isso que falta nessa puta! - diz o pai que parecia se alimentar de ódio – Já desistiu de você no primeiro problema, esta vendo filho? Se ela te amasse não acha que lutaria mais um pouco?

A moça, sem uma resposta melhor para o comentário do homem, atirou contra ele a primeira coisa que encontrou pela frente, um pequeno bibelô de vidro, que em sua trajetória errante acertou a cortina, exatamente no nariz do bandido escondido.

---- Ai! - Exclamou o bandido evidenciando sua presença – Olha gente, não se preocupem comigo, eu já estou saindo.

---- E quem é você? - Perguntou o pai.

---- Desculpa tá, eu só estava aqui roubando a casa quando vocês chegaram, eu não queria ter ouvido isso. - O bandido parecia tranquilo, mas seu coração estava quase explodindo. - Quer saber? Eu não tenho nada haver com isso, nada haver com vocês, mas, você está certo senhor, precisa manter o ódio vivo, por senão daqui a alguns anos, se não houver mais ódio, contra o que seus netos irão lutar? - O bandido tentava encontrar um meio de simplesmente distrair as atenções, dar a volta na sala e sair correndo – toda a cultura de vocês se baseia no ódio, e na dor. Se não houver ódio e dor a cultura perde o sentido...

---- Pare de dizer bobagens! Filho, chame a polícia!

---- Mas eu não levei nada! - Exclama o bandido sendo cercado pelo pai e pela moça que segurava um pesado vaso, enquanto tentava escapar.

---- Não levou por que não teve tempo!

---- Tá bom! Chame a policia! Me prenda! Mas não estou falando nenhuma bobagem não! Você me odeia por que sou um bandido ou por que sou branco?

---- Por que você é um bandido.

---- E se me conhecesse em outra situação? Me odiaria por que? - O bandido sentia-se perdido enquanto escutava as sirenes da polícia, que sempre priorizam o atendimento para as pessoas dos bairros nobres – Cara! De pelo menos uma chance pra menina! O que eu não faria pra ter uma mulher dessas, e você parece que não percebe! Você foi odiado e maltratado, agora você é igual as pessoas que te agrediram! Igual!

A policia entra na casa fazendo a maior cena de cinema, e rende o ladrão desarmado. Em silêncio, três pessoas de cores e pensamentos diferentes observam um inimigo em comum ser vencido.

---- Que situação... - Diz a moça abraçando nervosa o namorado.

---- Obrigado por me ajudar – diz o velho para a moça – Acho que não estou sendo justo com vocês. Vai ser difícil para mim. Sou mesmo um velho cheio de preconceitos. Não posso ser contra a felicidade de vocês.

---- Pai! - Diz o filho provando que não existem palavras para descrever um olhar, não existem poesias capazes de expressar o que expressa um lágrima – Obrigado pai.

---- Voltem aqui outro dia, quero tirar essa má impressão, não sei se conseguirei.

---- Tudo bem – diz a moça – a parte mais difícil já passou, agora só temos mais um problema...

---- Que problema? - Pergunta o pai do rapaz.

---- Ela ainda precisa me apresentar para a família dela... – responde o filho com a sincera esperança de que seria mais fácil a partir de agora.

---- Será que conseguimos convencer o bandido a se esconder lá em casa também? - pergunta a moça quase rindo.

---- Eu vou junto! - Responde o pai – Não perderia isso por nada!

=NuNuNO==

( Que adoraria que o inimigo em comum de todos os homens e mulheres, fosse a ignorância )

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 20/12/2010
Código do texto: T2682285
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