ALÊ UMA VIDA

Todos diziam que Alê é que sabia viver. Será porque falavam isso? Alê pensava e não encontrava resposta coerente. Na verdade se sentia ausente de tudo e de todos. Ele vivia de um lado para outro feito barata tonta. Não conseguia se ajustar a normas, formas e ditames da vida. Ele era o próprio patinho feio. Um peixe fora d’água. Um cristal quebrado em pedaços pequenos e cortantes. Era assim que Alê se sentia do alto dos seus 18 anos. Ele na verdade queria ser outra pessoa menos quem era e fazer o que fazia todos os dias sempre do mesmo jeito. Num ajuste perfeito do que parecia não ter ajuste e nem perfeição. Alê vivia com o pai num casebre no Morro Céu Aberto. Ali naquele lugar não tinha lei. Era cada por si e o mais forte ditava o que era certo aos outros e a moeda de troca era o medo ou a droga, nas suas mais variadas formas. Alê vivia assim nesse campo minado desde que nascera. Sua família na verdade fora destruída pela droga e o medo de uma forma única. Ele próprio agora era um refém do medo, do pai, da vida e do mundo. Alê se prostituía desde os dez anos e quem o colocara nessa vida fora o pai, afim de obter a droga para seu sustento e seus vícios. Ele tentara fugir várias vezes, mas o pai sempre o trazia de volta ou ele mesmo volta com suas pernas. Subia o morro feito zumbi e mais uma vez o seu idílio tortuoso recomeçava.
No inicio ele não compreendia porque voltava, contudo a idade trouxe maturidade e ele pode perceber que amava o pai de uma forma única e inconcebível. Sua alma parecia pertencer aquele homem, por quem ele sentia ódio e amor numa mistura que o fazia perder os sentidos. Ele não se imaginava sem o pai, sua vida estava ligada a dele de uma maneira quase inimaginável e mágica. E assim Alê vivia de mão em mão. Mãos de mulheres e homens, jovens e velhos, gordos e magros, para alguns ele era senhor, noutras escravo. No final ele se via recompensado por um simples afago do pai, uma palavra de afeto, um simples sorriso satisfazia o seu pecaminoso vício de amar.
Num desses dias de volta para casa Alê foi surpreendido por um outro corpo na cama do pai. Pelo cheiro percebia-se que eles estavam alcoolizados, além disso, estavam nus na cama, apenas com um lençol cobrindo as partes intimas. Ele olha de cima a baixo e percebe que conhecia era Amora, uma das passistas do Bloco Céu Aberto. Seu pai de uns tempos para cá resolveu participar do bloco e até estava metido com a organização. Alê não se conteve diante daquela cena, pegou uma faca e cortou o rosto de Amora e em seguida fugiu desnorteado.
Após andar muito acabou na casa de Rosa Constantina, uma coroa viúva que ele pegava e por quem sentia um carinho especial. Eles beberam muito, fizeram sexo e depois ficaram conversando. Milena, nome pelo qual gostava de ser chamada, falou dos filhos, dos netos, da viuvez e de como se sentia sozinha, nesse instante Alê não resiste e desaba. Milena acaba consolando-o e percebe que aquele rapaz estava em algum tipo de apuro. Ela insistiu, mas Alê não quis dizer o motivo de seu choro deixando Rosa/Milena ainda mais preocupada. Ele acaba dormindo e a mulher se encanta por aquela beleza tão helênica ali a seu lado, ela se imaginava mais nova para poder tê-lo para sempre.
E assim Alê foi ficando, ficando, até está praticamente morando com Milena. No início tudo são flores, dizem muitos. Alê depois de algum tempo comprovou isso na prática. Milena fora criada de forma tradicional. Criada para casar, ser dona de casa, ser mãe, ter filhos, uma esposa abnegada, submissa, passiva e perfeitamente infeliz. Quando sua vida parecia está fadada ao tédio ela descobre que o marido está com câncer. Um ano depois ele morre, após muito sofrimento para família e principalmente para ela, pois nesse ano tanta coisa aconteceu. Verdades emergiram e mentiras ruíram. Ela descobriu-se mulher ao mesmo que descobriu a outra família do marido e muitas traições. Dai para frente ela resolveu mudar radicalmente e mudou mesmo. Novo corte de cabelo, novas roupas, muita maquiagem, nova personalidade, nova vida. E tudo estava resumido a prazer e farra, contudo Milena é traída pelo sentimento, cumplice total da emoção e amigas inseparáveis do amor. Ela, aos 59 anos, apaixona-se por um rapaz de 18 anos, que nem era são, já era corrompido pela vida da forma mais biltre. E totalmente apaixonada ela tenta aprisionar Alê com o ciúme. Ele pássaro, o ciúme a gaiola e ela a dona. Ele então foge como o diabo da cruz, ele tinha tantas coisas para pensar, no pai, que não saia do pensamento e na sua vida tão cruel e distante de si mesmo.
Alê liga para Dito, um homem que conhecera numa boate num dia das intermináveis brigas com Milena. Ele tinha 35 anos, era bonito, charmoso, maduro, apaixonado pela vida e parecia do bem. Com o sim de Dito, Alê corre para lá. Eles se amam de forma animalesca e Dito o convida para trabalhar no Bar do Dito Descaso, era um point na cidade voltado para o público gay.
Lá Alê conhece muita gente, rever outras e entende porque o bar tinha o apelido do dono e o porquê do apelido. Dito Descaso, apelido de Benedito Badiatti, era o descaso em pessoa. Não se ligava em ninguém, só tinha olhos para dinheiro e sexo. Dirigia o bar com mão de ferro e dava vazão ao descaso entre acasos do descaso. Saia com quem o atraia e não se prendia, independente de sexo, idade, cor ou qualquer outro item excludente.
E no meio do descaso de Dito no Bar do Dito Descaso ele descobre-se apaixonado e isso acontece quando ele vai servir a mesa de Dauno e Masla, um casal que mantinha uma relação aberta e que vinham sempre ao bar atrás de fuga do tédio ou apimentar a relação morna que era a vida a dois e que rondava como um fantasma o casamento. Quem está na mesa era Dito beijando Masla enquanto Dauno mordia o pesco do mesmo Dito. Alê vê a cena e um calafrio desce pela espinha e ele desaba numa nuvem de lágrimas que se forma nos seus olhos. Então ele deixa a bandeja cair em cima do casal e de Dito. Ele sai correndo e sobe as escadas que davam para o apartamento em cima onde Dito morava. Ele corre pro quarto onde estava e começa a chorar como uma criança que tivera o brinquedo roubado ou um capricho não satisfeito. Quem entra no quarto é Dito que diz já ter percebido que algo havia de errado e que ele avisara para Alê não se apaixonar. Diante da paixão, ele diz que não tem como mais ele ficar ali, já que nos últimos dias estava se sentindo sufocando e não muito a vontade na sua própria casa. Ele pega uma mochila entra a Alê pede que arrume suas coisas, desça para acertar suas contas e se vá antes que não sobre nada que justifique nem que seja um oi por ai.
Meia hora depois Alê está na parada de ônibus e pega o primeiro que passa, sem nem saber para onde está indo. Ele acaba na praia num bar, senta e pede caipirinha e fica olhando para o mar e ele deseja tanto ser uma das daquelas aves que via no horizonte em arribação. E assim entre bebidas, mar e pássaros voando a noite chega e Alê está bêbado. De repente ele sente o celular tocando, ele olha e vê um número desconhecido. Ele atende e ouve: onde você está? Ele responde meio grogue e desliga. Passam-se alguns minutos e ele já está de cabeça baixa na mesma sentindo-se mal quando sente uma mão no ombro. Alê olha e vê Dauno e Masla, em seguida apaga.
E assim ele entra no universo conjugal desse estranho casal e jogos sexuais a três são o grande lance. Ambos eram insaciáveis e no auge dos seus 18 anos, Alê era como uma fonte da juventude para esse homem e essa mulher ávidos em beber até a última gota.
Tudo parecia bem, ele estava até conseguindo esquecer Dito. Eles juntos passaram a frequentar outros lugares quentes. Dançavam, bebiam, beijavam, se pegavam, se amassavam numa tríade perfeita, isso a noite. De dia em outros lugares, quem os via achavam que eram uma família em perfeita sintonia. Eles tinham uma loja de roupas e passavam metade do dia administrando o negócio. Alê ficava em casa assistindo TV, jogando vídeo game, na internet, lendo, comendo ou dormindo. Era a vida que todo adolescente daquela idade queria, contudo ultimamente Masla e Dauno falavam até de coloca-lo numa escola. Isso estava deixando-o preocupado.


(continua)
Zaymond Zarondy
Enviado por Zaymond Zarondy em 15/01/2011
Reeditado em 26/11/2011
Código do texto: T2731155
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