A CONFISSÃO

Foi depois do último filme da televisão. Ela estava deitada no escuro. Em silêncio.Ele acabara de fumar o último cigarro. Ela falou enquanto puxava sobre o corpo o lençol florido.

-Carlos,você acha que entre duas pessoas se deveria dizer tudo?

-Tudo como?

-Tudo,ora. Se eu gostasse de alguém,deveria poder chegar para você e dizer:"Acho fulano bacana. Estou gostando dele.Gosto de conversar com ele,me sinto legal perto dele.

Ele me atrai.Isso não queria dizer que eu não gostasse mais de você. Aí a gente ia conversar e você ia saber tudo

que eu estava sentindo.Seria muito mais honesto.

Carlos acendeu outro cigarro,o peito cercado de arames farpados. Ainda não se sentia sangrar. Era só a dor!

Suely,é difícil isso. Contar essas coisas dói,quando a gente ama. Não dá para aceitar,sabe? Problema de machismo,sentimento de posse,amor próprio,sei lá... tudo

junto.Se eu chegasse para você e dissesse que estava gos-

tando,de uma outra,da Marli,por exemplo,aquela sua amiga que é manequim,o que você iria sentir?

Suely ficou em silêncio. Como se estudasse a resposta.

Ajeitou o bordado inglês do decote do "baby-doll" e res-

pondeu:- Ia tentar compreender. Afinal,não sou perfeita,nem irresistível. Você poderia perfeitamente,encontrar nela mil coisas que eu não tenho. Com o tempo você acabaria se decidindo por uma das duas.

A que fosse mais importante para você. A que lhe fizes-

se mais feliz.

-Você acha que o tempo acaba decidindo as coisas?

A resposta veio cortante como uma lâmina,e imediata.

- Acaba. isso é fatal.É uma questão de esperar...

O marido puxou o lençol. Hesitou um segundo,a pergunta queimando na boca.Queria sofrer mais,queria a confirmação. Queria a agonia. Mas a pergunta caiu no seu coração como um pássaro morto,e silenciou.

Apenas disse:- Suely,amanhã não esqueça de mandar passar a minha camisa azul,sim?

Maristela
Enviado por Maristela em 25/10/2006
Reeditado em 18/04/2013
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