Pois num é que a comadre Zezinha fez a mesminha coisa? Hum, eu é que num quero mais aperreio com homem. Deus é testemunha! E olha, pra lhe responder com sinceridade, num é que eu não sinta falta. Tô mentido se eu disser isso, mas a necessidade da companhia é muito, mas muito, num sabe, menor do que a preguiça de compromisso. Preguiça de compromisso? Eu sou dessas: ajoelhou, tem que rezar, num sabe? Como dizia a minha finada mãe, que criou lá seus doze moleques sem pestanejar uma só vezinha por causa de falta de homem. De dor no pé, nas canelas, seja onde for, o dia tem que ser cumprido. Isso é o compromisso, num sabe? O prometido e confessado com a vida de todo dia. Às vezes a gente casa com os filhos – dizia ela.

Mas você não ficou sabendo não? Ah, a comadre Zezinha ganhou lá aquelas terras, onde ela mora hoje por sorte e amparo de Deus. Reclamou, reclamou... Era dos calos da mão, de dor nas costas, de pele seca de sol, de solidão de tudo na vida. E que tanto reclamou lhe apareceu por lá um rapazote de seus vinte e pouco, rodeando a casa, a plantação, mexendo com os meninos, puxando umas conversas, até que entrou pro café. De tardinha, a gente passava lá e via a comadre no cigarrinho dividido com o talzinho.

Deixa estar que ninguém tem nada a ver com a vida dos outros, né mesmo? E quem ia se intrometer na conversa fiada deles? De uns tempos depois se via os dois lavorando na horta. A comadre tinha aquele ponto de venda de hortaliça bem rente da estrada, você se alembra? Pois é. Bem verdade que o negócio cresceu. Deu até para refazer a casa, melhorar o teto dos porcos e das galinhas. O rapazola era bom de braço e de pé.

Foi quando o negócio começou a desandar, num sabe? Ela num falava, mas devia era de ter o dobro da idade do moço. Se bem que a comadre deu uma remoçada, num sabe? A gente pra agradar se veste com mais esmero, né não? Dá uma corzinha na boca, um ajeitamento de lápis na sobrancelha, compra uma sandalinha pra combinar com o vestido novo... E deixa que ele começou a fazer um tipo meio ciumento, num sabe? Sair sem a comadre? Nem pensar!

E da lida, tinha que ter a diversão. E era, que era de sair todo dia. E voltavam as tantas. Iam lá pra cidade, fazer o que tinha para fazer: iam ao cinema, comer umas coisinhas fora, iam bater pernas nos bares da vida... O moço era bom de pé e não dispensava um entre coxa, num sabe? Em casa, aí você sabe, tinha que ter os serviços da mulher, né?

A comadre via era filme algum, depois da solina do dia. Cochilava no meio das conversas de forma que meia horinha depois já estava era sem pintura alguma e de cabelo molhado, tanto ia ao sanitário pra limpar o sono. E deixa estar que ficava era implorando as moças pra dançar com o tal. Deu conta não. Os cuidados com os meninos, era desnecessário, num sabe? Eram já mocinhos, de forma que disso ela se livrou.

Fazer o quê? O moço num dava motivo de nada! Nem uma briguinhazinha pra motivo de botar o tal na rua. Ela resolveu então que tinha de se aposentar. Estava era cansada da vida e não queria mais compromisso com nada. Não queria mais trabalhar, nem cozinhar, nem lidar com nada que tivesse de fazer esforço com o corpo vergado pelo tempo. Podia ele ir para qualquer lugar e com quem bem entendesse. Ele ia, mas olha, era uma discussão por dia. Ele ia, mas voltava. Virou prisioneira. Vigiava ela dia e noite. Aquilo parecia não ter mais fim.

Certo dia a comadre recebeu uma visita pra lá de suspeita, de uma mulher desconhecida de todo mundo. Aquela, nunca ninguém tinha visto por lá. Toda de vermelho, cabelo solto, louro que nem raio de sol... Também nunca mais voltou. Só sei que uns tempos depois o rapazola também desapareceu. A comadre nunca que me confessou, assim de palavra dita, mas eu tenho pra mim que ela transferiu foi os compromissos, num sabe? Parecia, mas num era boba não. Muito menos eu! Compromisso de homem? Só se eu fosse doida!
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 23/01/2011
Reeditado em 12/07/2011
Código do texto: T2747250
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