O poder da língua.

Há alguns anos atrás, tive um encontro casual com um amigo de infância, agora já ambos adultos e como fazia tanto tempo que não nos víamos, trocamos algumas palavras de forma geral, sobre famíliares e trabalho e quando já íamos nos despedir ele pediu meu telefone, o qual, dei, e foi minha surpresa quando alguns dias passados, recebo um telefonema de alguém do passado, isto é, o tal amigo havia passado meu telefone para outro amigo nosso em comum, e o mesmo estava agora na linha convidando-me para sair, a princípio recusei, pôxa vida, já foi bastante difícil buscá-lo lá em minhas lembranças da infância, quando ele disse o nome, até falei não saber de quem se tratava, precisou ele lembrar o nome de sua mãe para que eu pudesse recordar, e agora, querendo sair comigo, ah! não estou a fim, na verdade, eu gostava de uma pessoa, fazia já oito anos, e não estava dando em nada também, essa pessoa aparecia quando queria e desaparecia em seguida, agora mesmo já faz quase dois meses que estou sem a menor notícia, estou cansada dessas situações, pra que entrar noutra furada? Assim pensava eu, com os meus botões, vou despachar este sujeito, que sair, que nada, de fato não estou com a menor disposição, e assim fiz. Acontece que o sujeito foi insistente e ligava todos os dias e sempre com a mesma conversa, até que eu acabei aceitando, combinei sair com ele após o expediente de uma sexta-feira, e assim foi, nem sequer me toquei que era justamente o dia dos namorados, era um dia 12 de junho, após o expediente fui rumo ao metrô que me levaria até a estação terminal, onde combinara encontrar com o dito cujo, e lá fui eu, o que será que dará isto meu Deus. Quando cheguei, ele já estava a minha espera e convidou-me para ir comer uma pizza em uma padaria bastante famosa por suas pizzas, eu concordei e fomos, chegando lá fiquei meio confusa com ele, porque o tempo todo dizia que tinha algo para dizer-me e parecia muito embaraçado, confuso, é como se não tivesse coragem para falar, assim, fui abrandando a situação até que ele se encheu de coragem e falou, que era sobre sua saúde, é que ele tinha um problema e que teria que falar logo no início já que tinha esperanças de que a gente pudesse realmente se relacionar, fiquei curiosa, e esperava que ele explicasse o que é que ele tinha afinal? Muito sem jeito, até constrangido, foi tentando explicar que tinha um problema neurológico, que o fazia ter convulsões e assim ele lutava há vários anos com isto e não tinha chegado a nenhuma conclusão, só sabia que isto o atordoava, atrapalhava sua vida, e ele queria muito curar-se, queria ter família, queria melhorar na carreira profissional, e infelizmente este problema sempre tolhia sua vida e cada vez mais tornava-o inseguro, sem chão! Sem saber ao certo de que situação verdadeiramente se tratava, procurei animá-lo e fazer com que se distraísse e não desse tanta importância assim ao seu problema, bem, enfim a noite foi boa, a pizza estava saborosa e a companhia dele aos poucos foi deixando meus pensamentos mais apaziguados e falamos de vários assuntos, inclusive da infância e do que havíamos feito nesses anos afora, contou-me sobre a falta que lhe fazia seus pais, ambos já haviam falecido e eu por minha vez falei sobre a perda de papai também, e do vazio que ficou em todos nós, e que agora éramos apenas eu, mamãe e meu irmão caçula, o qual, já havia casado, porém ainda morava conosco, assim foi nosso primeiro encontro, e daí ele passou a telefonar-me todos os dias e inclusive aparecia as vezes em meu serviço, pois, o trabalho dele ficava perto do meu e como era representante comercial, fazia seu trabalho mais fora da empresa e assim podia dar uma escapadinha de vez em quando, e nesse compasso, ele ia preenchendo o vazio que o outro deixara, já fazia mais de três meses sem aparecer, e na verdade, eu não sabia definir o que representava de fato na vida do outro, posto, que nunca me acompanhava até em casa, jamais foi lá, aliás, uma vez somente, logo após a morte de meu pai, e nem sequer entrou da porta mesmo saímos e pronto, sem contar que minha mãe não gostava nem um pouco dele, sei lá, antipatia de mãe, aquelas que não se explica mesmo, então na verdade eu não tinha um compromisso, eu não tinha um namorado, eu não tinha nada, apenas sonhos, devaneios de um coração apaixonado, talvez tivesse mesmo na hora de dar um basta a isto tudo e de começar outro relacionamento, mais normal, mais pé no chão, sem tantas desilusões, algo que fosse realmente palpável, sei lá! Assim, fui embarcando nesta história de cabeça, sem saber aonde isto tudo ia me levar, mais, para continuar contando, tenho que fazer um breve relato: - É que, dias antes do primeiro telefonema dele, eu estava numa pior, isto é, estava bastante zangada com o outro pelo desaparecimento, sem dar nenhuma notícia há mais de 2 meses, assim, no auge da minha indignação e raiva, eu disse a todos pulmões: - "Oh Deus, eu queria que o Senhor me desse um marido pra eu casar mesmo que ele fosse doente e que eu tivesse que sustentá-lo!". Pois é, isso aconteceu de fato, foi exatamente assim, e como estão percebendo, caiu feito uma luva em minhas mãos, lembrando que, quando comecei a sair com o atual, nem sequer lembrei mais desse insano pedido, foi como se uma borracha apagasse todo o meu cérebro por anos a fio!... Então, foi isso aí, um namoro relâmpago, de três meses, já em setembro estávamos casados, mudei de emprego antes do casamento e tocava a vida cheia de esperança e confiança no futuro, só o que eu não sabia era, como seria esse caminho. Na verdade, ele não havia dito de fato o que correspondia sua real condição de saúde, por exemplo não sabia sequer que ele tinha dois tipos de crises, uma era de cair, debater-se e a outra era de ausência parcial e total, fazia coisas que depois não lembrava que havia feito, e nas crises com quedas, o que ele sempre pedia, era para eu não deixá-lo bater a cabeça, eu não tinha medo, procurava ficar até bastante calma para poder ajudá-lo, o fato é que ele não conseguia parar em emprego algum, era só dar a crise e então era dispensado, assim, fui realmente sendo a única pessoa a ganhar proventos na casa, não reclamava e nem exigia nada dele, sabia de fato que era prejudicado, convivendo lado a lado com ele e seu problema fui percebendo o quanto é difícil uma pessoa numa situação dessa, ele era até inteligente, gostava de informar-se, falava com fluência e até parecia um doutor, muitas pessoas diziam isto para mim após conversarem com ele, mais, isto tudo não ajudava-o a manter o trabalho, assim, de certa forma esta situação o deprimia bastante, ficava constrangido e chateado por não poder ajudar mais e acabava trazendo um grande conflito interior nele, pensava que eu podia abandonar o meu trabalho e ajudá-lo a tocar um escritório em casa de contabilidade, já que ele era formado em contabilidade, mais ninguém ao redor concordava com isto, meu trabalho era seguro, assim, não dava para arriscar, jogar o certo pelo incerto, assim caminhava a vida, ora ele tinha um trabalho, ora não, situação essa que acabava influenciando negativamente para outras pessoas o meu casamento, familiares começavam a dizer que ele era fingido, que era vagabundo mesmo, que de doente não tinha nada, era tudo uma farsa, e eu sustentava ele, foi difícil, ah como foi difícil isto tudo, e piorou um pouco mais, quando veio o primeiro filho, e pra complicar mais essa criança pegou tudo quanto era de doença infantil, essas normais que as crianças pegam quando ficam em escolinhas ou creches, e se o bebê era afastado da escolinha eu também tinha que licenciar-me do trabalho, aí as coisas ficavam de fato complicadas, mas, eu sabia que não podia deixar a criança aos cuidados dele, não dava, ele não tinha noção, e seria uma irresponsabilidade da minha parte fazer isso, não, jamais, eu não teria sossego, assim a vida ia arrastando-se entre altos e baixos, uma convivência difícil de ser administrada, mas, também, eu não pensava em fugir das minhas responsabilidades, já que as havia assumido, então teria que continuar custasse o que custasse, então veio a segunda gravidez, que foi difícil, porque meu primeiro filho havia adquirido uma virose e o pediatra alertou-me que podia ser contagiosa e assim poderia fazer mal ao outro bebê, foi novamente andar no fio da navalha, o que fazer meu Deus, o que fazer, a princípio eles pensavam que era toxoplasmose, mas, felizmente não era, foi uma outra virose de nome citomegalovirose, sei lá o que fazia esta virose, mas graças a Deus, não houve nada com o outro bebê, pois, eu não contraí essa virose, bendita imunidade, mais esta gestação foi mais difícil que a primeira pelo fato de eu estar apresentando um quadro de gestação de risco, por problemas de pressão arterial elevada e gerar com miomas e minha idade já estar elevada, mesmo assim, com todos esses empecilhos e outros tantos mais, tipo ter sido afastada do trabalho aos 5 meses de gestação e de sofrer inúmeras pressões da chefia de meu serviço pelo fato do afastamento, ainda assim, o bebê nasceu lindo e saudável graças a Deus, e no caso deste, há um episódio que tenho que narrar, foi o fato dele ter uma convulsão dentro do metrô justamente no dia que estava indo ganhar o bebê, passou mal dentro do vagão, deixou cair a mochila com as roupas do bebê, enfim demorou um pouco pra recobrar a consciência, e desci na estação que dava para o hospital e ele seguiu no trem, foi resolver um problema e mais tarde veio juntar-se a nós no hospital, o que eu ressalto é que nunca tive medo da situação, e sempre encarei o mais normal possível, procurava não deixá-lo mais desconfortável ainda do que já se sentia. Mais infelizmente, só isso não adiantava, ele foi deprimindo-se cada vez mais, e a medida que o tempo passava não parecia dar a ele outras alternativas, não queria saber de tratamentos, assim, só quando se machucava é que procurava alguma ajuda médica, após, passar a queda, já não queria mais dar sequência ao tratamento, assim ficava difícil ajudá-lo, se fosse contar havia muitas e muitas histórias até hilárias e ao mesmo tempo tristes que aconteceram ao redor dos oito anos dessa convivência, infelizmente ele se foi, descansou das quedas, da vida, deixou dois presentes que ao lado de Deus tive forças pra continuar e hoje somos três, agora, eles já estão moços, já trabalham, cuidam das suas vidas, e o que eu ressalto dessa história toda, é que só vim realmente lembrar-me do pedido que fizera, quando ele já estava próximo a deixar-nos, assim o Senhor abriu meu entendimento e pude pedir perdão a Deus, e libertar-me e dar liberdade a ele também, outra coisa, é que sempre Deus esteve comigo, aliás, conosco, pois, só depois vim a saber que ele não tinha o que se chama discernimento de personalidade e então corríamos risco por ele já estar tão prejudicado mentalmente, mas, o Senhor jamais desampara, Ele esteve conosco todos os dias, aliás, Está, quando me casei, o primeiro convite que escrevi foi para o Senhor Jesus, eu sabia que precisava muito Dele na minha vida, e, sei também que Ele sempre esteve, estava e estará na minha vida! Obrigado Senhor por sempre me ensinar, através a dor pude a fé encontrar!.... E também assim, o Senhor fez com que o solitário viesse a ter uma família!... Isto foi o maior desejo dele, sentia-se feliz apesar de tudo em ter formado uma família, amava de fato a mim e aos meninos e sempre repetia que o dia do seu casamento e o nascimento das crianças foram os dias mais felizes da sua vida e de uma certa maneira eu concordo com ele, foram apenas oito anos, porém ele construiu mais nesses oito anos, teve experiências novas nesses oito anos as quais não havia experimentado até então em sua vida, que após a morte dos pais, ficara muito solitário, tinha como companhia apenas um pequeno pássaro, seus irmãos todos casados, não mais compartilhava uma vida familiar, assim, penso que o Senhor na sua infinita sabedoria uniu esta vida com aquela que buscava ardentemente constituir uma família!