A Segunda Queda

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No seu aniversario que-não-sabemos-sua idade, mesmo que ainda não tivesse a longa barba branca e as roupas em maltrapilhos, nesse aniversario o senhor não comemorou. Vê as labaredas e chamas consumindo os cômodos da sua casa, o triste desabamento, o cheiro do cimento, da areia, dos tijolos e dos telhados a fumaça e as cinzas dos objetos neste dia o senhor não comemorou seu aniversario e nem podia, o senhor não se lamentou pela perda da casa, nesse dia parecia uma criança, perdida que desejava vasculhar mesmo que o fogo não estivesse abatido o senhor queria escapar dos braços dos seguranças, eram braços fortes mantendo-o, contorcia-se, chutava o ar, tentava se soltar, era puxado como uma criança frágil. O senhor que mostrava força nesse dia não era nada, uma criança frágil diante dos olhos de todos. Por quem o senhor gritava que era especial, importante que queria salvar do fogo, do incêndio e das cinzas era por quem?

Claro que era a dona Catarina, a querida mãezinha, a mãezinha que o senhor amou e ainda ama, o senhor gritava para ela e não o permitiram buscá-la e o senhor chamaram-lhes de porcos, cachorros, hienas, que pagariam e berrava que era o presidente e mandava no país, no povo em qualquer pessoa, mas o senhor nesse dia de aniversario foi colocado abaixo, deixou de ser presidente e que não havia dado conta, lutava para buscar sua mãe, sua querida mãezinha, dona Catarina e o senhor soube da realidade dois dias depois e perguntou para que estavam na sua frente sobre sua mãe, a querida mãezinha e ninguém falou e o senhor desandou a chorar como uma frágil criança.

Isso aconteceu há dez invernos atrás quando o senhor usava a calça, o casaco, chapéu e os sapatos todos da cor branca. O senhor tinha o guarda-roupa com o vestuário todo branco, o senhor ama branco mesmo em maltrapilhos, é a cor branca a sua favorita, é a cor pacifica, a cor que não demonstrava medo. Quem presencia a cor branca não vê a violência nem o medo, não era o que dizia para nós? Puro marketing, senhor? Tão diferente de hoje ainda há branco no senhor.

E dez invernos atrás nesta feira livre que o senhor está tentando encontrar algo para matar a fome naquele tempo o senhor exigia qualquer fruta e comia quantas fosse, dizer que não aprovou, jogar no chão, pegar outra dar uma mordida e desaprovar e ver todas as frutas da banca no chão porque na época o senhor podia, era o presidente e ninguém ousaria falar um ai e qual louco faria? Fazia o quem bem entendia, o senhor era o poder. Mas hoje nessa feira de barba grande branca e mais velho o senhor tentou pegar uma maçã e levou um tapa em sua mão que fez soltar a fruta o senhor encarou o homem pensando que ainda era o presidente olhou para os lados procurando por alguém e lembrou que não se encontrava naquela época e viu o homem expulsar, que chamaria a policia e o senhor envergonhado saiu com raiva procurando refeição e por humilhação uma senhora pagou-lhe dois pães com manteiga na chapa e café com leite. O senhor não era assim jamais se humilharia, aqueles tempos de outrora não voltam mais.

Há dez invernos atrás o senhor tinha uma casa, enorme, exagerada, porque o senhor possuía o poder. E a casa, a enorme casa era somente para duas pessoas, o senhor e sua querida mãezinha dona Catarina somente aos dois, mãe e filho. A casa era a base para os seus negócios e para suas escolhas e do alto dela podia ver o país, a cidade porque o chefe precisava estar nas alturas, um comandante precisa estar acima dos seus súditos. O senhor gostava de ficar no alto refletindo assistindo a cidade movimentar, descansar e retornar a ativa era uma pintura para as suas vistas agora tudo se perdeu, a casa enorme não existe mais, o alto para ver a cidade é uma lembrança, o que restou para o senhor? Sobraram pouca coisa, poucos vestígios, tomaram, confiscaram no seu julgamento, tomaram o poder, a casa, sua mãezinha, deixaram algumas roupas e o jogaram neste lugar, esquecido, jogaram como cão sarnento como leproso que precisa ser exilado para não contaminar, jogaram neste lugar senhor e não tiveram pena nenhuma.

E aqui o senhor vive no meio das putas, crianças pestinhas, maltratadas, mães, pessoas carentes, te colocaram num quartinho com apenas um colchão velho e fino e um guarda-roupa de espelho e uma porta colocaram o senhor no meio dessa gente e esqueceram-no.

É neste lugar que o senhor está há dez invernos e todos indagam: Quem é o senhor?

“Quem é o senhor, indagam todos e o senhor responderia: ‘Eu mandei nesta merda, nesta merda de país em tudo em vocês todos.”

No entanto falta coragem ou força. O poder acabou e não volta, aqueles tempos ficaram para trás e o senhor sabe disso.

Há dez invernos atrás o senhor não estava em maltrapilhos, de longa barba branca e pedindo alguma coisa para afugentar a fome. O senhor não precisava pedir, se humilhar, eram oferecidos deliciosas refeições, comidas exóticas, bebidas, pratos, diversos pratos que nenhum recusaria oferecer. E hoje, eles não lembram, do medo que tinham do senhor, do olhar que lançava quando desaprovava o prato, do engolir a seco o medo e a punição.

Eles não lembram mais quem o senhor foi e este motivo não dão coisa alguma, expulsam o senhor, chama-o de atraso de vida, mendigo chato, botam-no para fora e o senhor caminha arrastando as pernas que não estão boas e vai passando por entre pessoas que o encaram e nas cabeças delas a mesma pergunta: “Quem é ele?” elas não o reconhecem, não sabem que há dez invernos passados o senhor era o maioral e o senhor não é mais o medo. Será que eles possuem fraca memória? Por que não diz em voz alta? Diga em voz alta quem é o senhor para esses merdas voltarem a sentirem medo e virem correndo com pratos de qualquer refeição e entupirem sua barriga. Diga alto quem é o senhor. Não sobrou nada do homem do passado não o reconhecem passam diante do senhor sem vê-lo como fantasma.

“Ei senhor, pegue esse pacote de bolacha.” “Eu não quero nada, não quero merda nenhuma!” “Ó, que desaforo. Depois dizem que não ajudamos os necessitados.”

O senhor não deveria ter feito o que fez deveria conter seu orgulho.

“Senhora volte, senhora por favor volte...”

É tarde senhor...

Por tantas buscas o senhor conseguiu sobras do restaurante de um bondoso italiano, homem de sorriso gentil e o senhor orgulhoso agradeceu o italiano em voz baixa. O senhor há dez invernos atrás não agradeceria tudo se reverteu. A refeição que ganhou vai garantir o almoço e o jantar, poucas vezes sobrou refeição para a noite.

Volta para casa senhor, arrasta a perna doida que a refeição está na sua mão, para o lugar que o deixaram. No meio da gente, tome cuidado com os pestinhas que jogam bola de futebol em cima do senhor, das mulheradas que espalham com a vassoura o pó em cima do senhor, dos maus encarados que desconfiam pensando que é um homem da lei e das putas oferecendo programinhas. Entre no quartinho senhor, tranque a porta com a chave, passe o trinco, coloque a madeira atravessada na porta, segurança senhor, não confie em ninguém. Coloque a refeição no chão, senta no fino colchão velho, a fome não é grande. Há sempre uma pessoa para afugentar sua solidão, aquela que não soltará da sua mão a sua querida mãezinha dona Catarina.

“Eles não lembram de mim, mãe.” “Quem não lembra, filho? ’ “Eles mãe, ele lá fora.” “Como ousam, não sabem quem é você”!” “Eles não têm mais medo, me desafiam, me expulsam, humilham. O povo me esqueceu.” “Perder a esperança não, filho. Vá, levanta, abra a porta e diga para essa gente quem é você. Eu não criei para ser um covarde, levanta daí e bota ordem nessa gentalha.” “É a melhor coisa a fazer?” “Sim filho, mostre a eles.”

E o senhor levantou do fino colchão velho vai a porta tire a madeira, destranca o trinco, destranca a porta com a chave e com o peito estufado fale: “Prestem atenção seus amebas eu...”

Foi calado senhor, os pestinhas começaram a lançar bolinhas de barro e uma acertou sua boca e o senhor foi obrigado a entrar, trancar a porta com a chave, passar o trinco, colocar a madeira atravessada, voltar no fino velho colchão, deitar e chorar para sua mãezinha querida dona Catarina.

“Eles esqueceram de mim mãe, todos eles.” “E por que você está neste quartinho? Onde está a nossa casa?” “Ela não existe mais mãe. Botaram fogo, desabou.” “Botaram fogo, quem?” “Os inimigo, gente ruim.” “E te colocaram aqui. O que aconteceu filho, fale.” “Fui traído mãe, alguém me traiu. Não sou mais presidente, não mando mais no povo, perdi tudo.” “E quem está no seu lugar?”“ Um estrangeiro tal de Richard.” “Homem nenhum toma qualquer coisa do meu filho, muito menos um que se chama Richard”“ Qual a sua idéia, mãe? ”“ Retomar o que era seu filho, eu o botei no mundo para ser grande e nenhum merda nasceu para tomar de você.”

...

(Continua)

Rodrigo Arcadia
Enviado por Rodrigo Arcadia em 19/02/2011
Código do texto: T2801880
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