PORQUE A VIDA É TÃO IRÔNICA QUE...

Os pombos comiam apressadamente as migalhas do chão como se dali elas fossem fugir. Podiam estar famintos há dias. Joguei o último farelo que restava e me levantei do banco de madeira do parque. Algumas crianças brincavam perto do lago, em breve ele estaria congelado, mas ainda era outono, elas teriam que esperar até poderem patinar. As folhas secas que caíram das latas árvores estalavam ritmando o meu caminhar. Logo alcancei a calçada e o agradável som cessou. Segui andando pois queria chegar a cafeteria a qual eu frequentava, porém, naquele dia havia algo de excepcional na minha ida.

O céu estava branco, não fazia frio, mas calor tampouco. Eu havia colocado um vestido vermelho e um suéter branco por cima e prendido os cabelos.

Parei por alguns segundos diante da porta onde estava escrito:

"Café 22".

Estava indecisa demais, também tinha muito medo do que iria acontecer dali para frente.

Um homem, que por sua vez não tinha dúvida nenhuma de que queria entrar na loja, pediu-me licença. Dei-me conta do quão ridícula estava sendo naquele momento e me pus para dentro junto com ele.

Dei os primeiros passos ainda toda hesitação, mas logo o vi, então era matar ou morrer. Demonstrar medo nunca é a melhor escolha, tentei fingir que estava tudo bem, mas só Deus sabia o que acontecia dentro de mim.

_Achei que não viesse mais... - me disse Frank.

Seus olhos percorreram minha figura do topo ao fim e eu me senti embaraçada com aquilo, ele notara e parecia ter feito de propósito. Ficamos num olhar fixo, como que telepático até que...

_Pensou errado. - quebrei o silêncio agoniante.

Frank sorriu. Para o meu azar. Sua beleza parecia maior e mais tentadora quando ele sorria, um pouco inocente e muito calculista conseguia atar minhas mãos e tirar a palavra "não" do meu vocabulário, o que era deveras perigoso.

Seus cabelos negros não estavam penteados; sua bochecha direita carregava um furinho, ficava daquele jeito ao que ele sorria.

_Sente-se. - fez menção a cadeira à sua frente

Aceitei a sugestão e tentei relaxar, mas parecia ser impossível fazê-lo com um homem daqueles diante de mim.

_Então... - ensaiei uma palavra

_Você está especialmente bonita hoje, sabia disso? - interrompeu-me.

Não respondi, dificilmente respondia as coisas que ele dizia. Sempre me faltavam palavras... ou voz.

Ele chamou a garçonete e pediu dois cafés iguais, um pouco egoísta não querer saber minha preferência, mas eu adorava atitudes egoístas.

_O que foi? - perguntou-me, fazendo-me sobressaltar.

_Desculpe?

_Você fez uma cara de repente... pensei que tinha dito algo de errado.

Pedi reforços a todos os métodos de auto controle que eu conhecia, estava deixando transparecer minha fraqueza diante dele.

Dois cafés e um croissant depois, ele pediu a conta. Levantou-se da cadeira e pegou minha mão da mesa, puxando-me em direção a porta de saída, apenas deixei-me ir. Ele abriu a porta de vidro dando-me espaço para passar primeiro e em seguida passou. Do lado de fora acendeu um cigarro e ficou quieto olhando para o nada por alguns instantes. O vento carregava o seus negros cabelos para onde queria, e meus olhos acompanhavam.

_Então... Depois nos vemos. - deu um passo para trás, virou-se de costas e começou a se afastar. Assim, repentinamente, tirando-me da hipnose que ele próprio me causara.

Não articulei palavra de detenção a vontade dele, e então para me surpreender ainda mais, ele regressou rapidamente tomando-me num quase abraço, sem pedir licença, e segurando meu rosto beijou-me de forma rápida e sedenta.

Meus joelhos me traíram. Mas ele me segurava.

Não caí.

Maila Dias
Enviado por Maila Dias em 25/02/2011
Reeditado em 26/02/2011
Código do texto: T2813776
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